Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tinhorão e a Academia

Tinhorão, o legendário, minha biografia sobre o polêmico jornalista e hoje historiador da cultura urbana, em edição da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, será lançada no dia 13 de abril, no Centro Cultural do Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro (Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea), a partir das 19h30. Também será lançado seu mais recente livro, A música popular que surge na era da revolução (Editora 34) e Crítica cheia de graça, que reúne vários artigos (Editora Empório do Livro). O lançamento em São Paulo será na Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915, Pinheiros), no dia 28 de abril, das 18h30 às 21h30.

O IMS/RJ recebe o precioso acervo de Tinhorão que estava em catalogação em São Paulo e será aberto ao público até o fim de 2010; o instituto também promove uma exposição de algumas raridades, com curadoria do próprio Tinhorão, que ficará aberta ao público até 16 de abril.

Esta não está na biografia Tinhorão, o Legendário. Aliás, se eu fosse escrever todas as histórias do Tinhorão – tantas ele me contou depois de terminado o livro no prazo exigido pela editora, e continua contando – teria de escrever outro, e mais outro. Ele tirou do baú, a propósito da história que lhe contei sobre a censura do parecerista da Edusp ao meu livro sobre o ‘Suplemento Literário‘ do Estado de S.Paulo, em 2003.

Em 1991 ele foi convidado para escrever em uma revista da Unicamp, mas o próprio professor que o convidou disse que as normas eram ‘draconianas’. Segue a carta, enviada em 28 de outubro de 1991, que é mais um atestado de integridade de um intelectual correto, e um deleite, como tudo o que o Tinhorão escreve.

Trata-se , talvez, de algo considerado comum e corrente nas publicações universitárias,e em outras, mas como bem lembra Brecht, não se deve considerar nada ‘normal’ nestes tempos. ‘Não digam nunca `isso é natural´ a fim de que nada passe por imutável.’

A cartinha:

Caro professor

Acabo de receber a carta datada de 21 do corrente mês, com seu convite para colaborar com ‘artigo, ensaio ou resenha crítica, sempre inéditos’, para a revista Resgate, da Unicamp. O convite – em princípio amável – poderia ainda ser considerado honroso, não fora pelo teor mais que inaceitável, até mesmo aterrador ( pelo que traz implícito) das, por V. Sa. mesmo, chamadas ‘normas draconianas para os colaboradores’.

E isto porque, segundo os termos dessas pré-condições para aceitação da produção intelectual alheia dão a entender, a Universidade de Campinas demonstra não se ter libertado, ainda, dos cinco lustros de autoritarismo militar que nos deslustraram a todos.

De fato, aceito como geral o princípio que reserva aos editores de quaisquer órgãos de imprensa o direito de aceitar ou não escritos assinados, não se compreende que alguém possa – em sã e democrática consciência – vir propor essa espécie de capitis diminutio da responsabilidade intelectual, constituída por ‘sugestões para alteração’, ou ‘pequenas alterações no texto’.

E o que é mais inquietante, se chegue a sugerir o patrocínio do poder absoluto iluminado, para o caso de ‘alterações substanciais… sugeridas ao autor, que fará a devida revisão’.

Considerando que ‘alterações substanciais’ significa mudança do substantivo, no sentido de sua substância – que é a parte essencial da coisa e, portanto, lhe define a qualidade – a aceitação de tal intromissão equivaleria à renúncia da própria integridade por parte do autor.

Ora, se se considera que o espírito histórico da Universidade é o da secularização do saber, em oposição à teologia como ‘ciência dos deuses’, não deixa de ser lamentável que, neste final do século 20, a Unicamp venha assim restabelecer o Olimpo em terra de caboclos. E, o que é pior, submetendo Palas Atena à tutela de Zeus, depois da luta de tantos anos para nos livrarmos de Ares.

Assim, enquanto aguardo o resgate da democracia intelectual nesse jardim campineiro de Academus, firmo-me, por enquanto desinteressado do presente de grego dessa Revista Brasileira de Cultura.

José Ramos Tinhorão

Sobre José Ramos Tinhorão

Nasceu em Santos (SP), em 1928, e criou-se no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Em 1968, mudou-se para São Paulo, onde reside até hoje. É autor de uma extensa e diversificada obra sobre temas relacionados à música brasileira. Estudante da primeira turma de jornalismo do país, colaborava desde o primeiro ano, 1951, como repórter free-lancer da revista A Semana (Rio de Janeiro) e da Uairá (Curitiba). Em 1953, ingressou como jornalista profissional no extinto Diário Carioca. Cinco anos depois, passou para o Jornal do Brasil, onde acumulou as funções de redator e colaborador dos suplementos ‘Estudos Brasileiros’ e ‘Caderno B’. Trabalhou também para os jornais Correio da Manhã, Jornal dos Sports, Última Hora e O Jornal; as revistas Singra, O Cruzeiro, Veja e Nova; e as televisões Excelsior, Globo, TVE (RJ) e Cultura (SP). Colaborou ainda com O Pasquim e as revistas Senhor, Visão e Seleções, entre outras.

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Jornalista