Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A tragédia de Congonhas e a Babel informativa contemporânea

O desastre com o Airbus da TAM no aeroporto de Congonhas é um exemplo extremo de como a notícia se tornou algo complexo, cuja compreensão passa a exigir cada vez mais tempo e paciência do leitor, ouvinte, espectador ou internauta. Ela deixou de ser um produto acima de qualquer suspeita.


 


Um mesmo acontecimento está envolvendo uma batalha político-partidária entre governo e oposição, problemas trabalhistas dos controladores de vôo, questionamentos à eficiência de órgãos controladores como a ANAC, a soberania das instituições militares, o desejo da TAM de preservar sua imagem corporativa e sua clientela, a luta de jornais, revistas e redes de TV por audiência, preocupações financeiras das seguradoras que terão que desembolsar milhões de reais em indenizações e as empresas de transporte que procuram mais espaços no quebra-cabeças da malha aérea nacional.


 


Cada um desses protagonistas tem interesses e conseqüentemente faz o possível para “torcer” a informação em seu benefício. O resultado é uma verdadeira Babel informativa, cuja maior conseqüência acaba sendo o ceticismo generalizado. Os principais envolvidos no processo perderam a noção do evento principal e passam a ter reações típicas de torcedores de futebol, como mostra o episódio dos gestos obscenos do assessor presidencial Marco Aurélio Garcia.


 


Quem sai perdendo nessa batalha de interesses é o leitor, ouvinte, espectador e internauta. Ele está cada dia mais confuso e pressionado a tomar atitudes irrefletidas porque lhe falta tempo e conhecimentos para poder descobrir no emaranhado noticioso, o que está mais perto ou mais distante da realidade.


 


Primeiro foi a discussão sobre o grooving, um termo técnico de engenharia aeronáutica que acabou entrando para o vocabulário de botequim. Surgiram as mais diversas versões sobre a contribuição da falta de grooving (ranhuras) na pista de Congonhas para que o avião ficasse fora de controle.


 


Os leitores ainda tentavam entender o que havia causado o problema, quando foram atropelados por uma seqüência de outras questões técnicas, como a dos reversores, dos manetes e finalmente da caixa-preta. Quem desejasse imunizar-se contra o tiroteio informativo das partes interessadas teria que gastar horas preciosas numa biblioteca especializada para entender o que está em discussão.


 


Como quase ninguém tem este tempo, sobrou para o leitor médio a desagradável sensação de que está sendo manipulado e usado no debate. Mesmo aqueles que tomaram uma posição sabem que são movidos por preocupações que nada têm a ver com a tragédia do vôo 3054.


 


O desastre de Congonhas é uma amostra do que os leitores podem esperar no futuro cada vez que acontecer um evento envolvendo uma grande soma de interesses. A multiplicação dos canais de transmissão de noticias dá aos interessados a possibilidade de “jogar” com dados e informações.


 


O caso da TAM está inserido neste contexto, pois a oposição decidiu explorar as vulnerabilidades e erros do governo para enfraquece-lo antes que seja tarde demais para colher resultados eleitorais. Lula, por seu lado, também está manipulando politicamente, como mostra a indicação do novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, que assumiu o cargo no auge da crise com os olhos postos em 2010.