Nenhum escritor no mundo, da estirpe do austríaco Stefan Zweig (1881-1942), foi tão festejado, assediado e aplaudido, por muitas décadas, pelo conjunto e o valor de sua obra. A fama, ainda, hoje, existe, como a renascer das cinzas. Por falar em cinzas, os livros que escreveu, e foram muitos, serviram de vingança ao regime nazista, queimados em praça pública num dos espetáculos mais ridículos, deprimentes e mesquinhos presenciados pela humanidade.
A imagem dessa repressão nos conduz aos momentos cruciais da Inquisição, que, além de praticar o mesmo gesto, ainda supliciava moral e fisicamente a vítima, para arrancar confissões (inconfessáveis). Os Torquemadas (Tomás Torquemada, inquisidor maior da Espanha) de qualquer regime autoritário nunca deixaram de perseguir. O fantasma da inglória missão continua solto em muitos países… Cuba, Venezuela e outros.
Inteligência iluminada, refinada cultura humanista, idéias avançadas e firmes na convicção fizeram dele o mais respeitado entre os grandes homens de letras do seu tempo. Por que Stefan Zweig mereceu tanta perseguição, que a certa altura da vida, amedrontado, tornou-se um fugitivo, um ‘João ninguém’, um desterrado, um apátrida, um condenado a viver no exílio?
Motivo número um: descendência judia; motivo número dois: pensar e escrever, como poucos, sobre o mundo, os homens, defendendo com ardor uma paz permanente; motivo número três: portador de um prestígio internacional, que provocava inveja.
Os sucessos obtidos não se limitavam apenas às edições dos livros, vendidos aos milhões na Europa e bem aceitos no Brasil, mas a peças de teatro e títulos levados ao cinema, com êxito garantido, entre os quais Coração inquieto, Angústia, 24 horas na vida de uma mulher, A confusão de sentimentos, Segredo ardente, Carta de uma desconhecida, Uma partida de xadrez; Amok teve cinco versões cinematográficas. É pouco?
Louvando o Brasil
Incapaz de odiar, até mesmo o inimigo do seu país, massacrado pelos nazistas da Alemanha de Hitler, esse homem de feição austera, mas generoso com os amigos, com ar de tristeza pelos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, foi um fervoroso idealista. Perseguido, sacrificou a vida, suportando em silêncio as agressões e a intolerância, em função de um ideário.
Não havia lugar para ódio no coração de Zweig, considerado por Romain Rolland um ‘caçador de almas’, pelo prestígio dos nomes biografados por ele. Incomodava-o as pressões dos amigos e das pessoas que acreditavam na força de sua pena e do seu prestígio, para transformá-la em ponta de lança, contra o inimigo. Como não se sujeitou a essa tarefa, não por covardia, mas para poupar os amigos que estavam sob o jugo do inimigo, aumentando, assim, o perigo de retaliações, viu-se alvo das piores críticas. Tudo isto lhe causou sofrimentos e somou amarguras, concorrendo para o suicídio, no Brasil, em Petrópolis.
O país governado por Getúlio Vargas o acolheu, mas, com restrições. Havia uma tendência brasileira a apoiar os nazistas, até quando, a tempo, o erro foi corrigido, mudando o governo de posição. Stefan não podia fazer pronunciamentos. Cumpriu fielmente o ritual do exílio, inclusive, escrevendo um livro louvando as belezas da terra, o café, o sabor do charuto, a miscigenação, a convivência harmoniosa, pela ausência de preconceito racial, a alegria do povo e as festas que presenciou, como o carnaval…
Logo, a guerra acabou
Daí, o título da obra: Brasil, país do futuro. Os invejosos de plantão o acusaram de fazer o livro por encomenda do governo ou para agradá-lo, pela acolhida. As piores cretinices foram ditas, chegando a ofendê-lo, quando na verdade ele só queria enaltecer um país amigo, que o recebeu com respeito e cortesia, num momento difícil, e do qual, se enamorou. Tanto é verdade que na sua carta-testamento, como último ato, confessou:
‘Antes de deixar a vida por vontade própria, com a mente lúcida, imponho-me a última obrigação: dar um carinhoso agradecimento a este maravilhoso país, o Brasil, que propiciou, a mim e à minha obra, tão gentil e hospitaleira guarida. A cada dia aprendi a amar este país, mais e mais. Em parte alguma eu poderia reconstruir a minha vida agora que o mundo da minha língua está perdido e o meu lar espiritual, a Europa, autodestruído’.
Alberto Dines, um dos últimos jornalistas do Brasil, irrequieto e polêmico, com a sua competência intelectual e grande admiração por aquele escritor, lançou recentemente uma terceira edição, ampliada, pelo sucesso alcançado, o livro Morte no paraíso – A tragédia de Stefan Zweig, com 523 páginas. Eu que tenho e li a obra completa de Zweig, há décadas, lançada em 1960, no Brasil, a comprei com o meu primeiro salário de jornal.
Com o livro de Dines fiz uma releitura do meu escritor preferido, e com o qual muito aprendi. Confesso, quando estou sem inspiração para minhas crônicas é nele que busco o remédio, para preencher o espaço que ocupo no jornal. Muitos desses assuntos trataram do próprio Stefan Zweig, que cometeu suicídio por pura e simples impaciência, por nada poder fazer pelas vítimas de Hitler, incluindo parentes e amigos. Disse na comovente carta de despedida da vida:
(…) ‘Saúdo a todos os meus amigos. Que lhes seja dado a aurora desta longa noite. Eu, demasiadamente impaciente, vou-me antes’. (Petrópolis, 22/2/45).
Bem que poderia ter esperado um pouco. Logo, a guerra acabou.
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Jornalista e professor universitário