Dizem os pesquisadores que o eleitor não gosta de ver os políticos se xingando – porque, enquanto trocam desaforos, não falam com ele, muito menos dos assuntos que lhe interessam.
Pode ser, mas está para nascer o jornal que deixe de destacar as agressões de um candidato a outro. E está para nascer o leitor das páginas políticas que não se detenha no relato das baixarias. Nesse departamento, por sinal, a notícia é antes o fato em si da ofensa do que os seus termos.
Não deu outra coisa nos diários, portanto, quando o protocandidato presidencial Ciro Gomes, do PSB, investiu contra o tucano José Serra, numa reunião com sindicalistas em São Paulo e logo depois, numa entrevista, dias atrás. É um jogo: o deputado sabe que ser desbocado o ajuda a frequentar o noticiário, assim como os repórteres que o acompanham sabem que terão o dia ganho quando ele tornar a fazer o que os acostumou a esperar.
O disparo da vez foi este:
“Eu acho ele (Serra) feio pra caramba, mais na alma do que no rosto. A conduta dele é feia, de não enfrentar o adversário com linguagem civilizada. No meu caso é uma coisa terrível, até minha conta-salário ele conseguiu que um juiz de São Paulo bloqueasse”. (Em 2006, Ciro foi condenado a pagar a Serra 100 salários mínimos por tê-lo chamado de “candidato dos grandes negócios e negociatas. O bloqueio é de 2008.)
Justiça se lhes faça, os jornais procuraram pôr em perspectiva a canelada. Para O Estado de S.Paulo, por exemplo, faz parte da tentativa de Ciro de “superar Dilma no papel de anti-Serra”.
Mas, no dia seguinte, quando Ciro culpou a imprensa pela divulgação do ataque, nenhum jornal protestou. Ele disse o seguinte:
“Faço política com humor. Não tenho nenhum desentendimento pessoal com o Serra, mas não tem jeito, trazem para os jornais essas bobagens. Aquilo foi uma brincadeira, depois de eu falar sobre diversos temas.”
Vamos nos entender. O que Ciro Gomes entende por humor, desentendimentos pessoais, bobagens e brincadeiras é problema dele. O problema do jornalismo, no caso, é não deixar barato uma crítica indevida – já bastam as que procedem. No mínimo, algum repórter deveria ter-lhe perguntado se ele realmente imaginava que, ao chamar Serra de “feio pra caramba, mais na alma do que no rosto”, a imprensa omitiria o fato. E algum editor deveria lembrar algumas das apelações que arruinaram a imagem de Ciro nas duas outras vezes em que se candidatou ao Planalto.
A grande imprensa, se sabe, está afinando os seus instrumentos para a cobertura da temporada eleitoral do ano que vem. Seria bom saber também como pretende enfrentar situações como essa, em que vira bode expiatório da incontinência verbal dos políticos. (Quando eles não podem simplesmente desmentir as suas palavras impróprias, culpam o mensageiro por ter transmitido a mensagem.)
A julgar pelo retrospecto, fazem isso com a maior naturalidade, debitando a esperteza ao “calor da campanha”.
Pois é. Jornais e revistas perdem o respeito do leitor não apenas quando publicam matérias mal apuradas ou, pior, facciosas, mas também quando levam desaforo para casa – principalmente de políticos, aos quais, desse modo, acabam igualados.
Debate viesado sobre Honduras
São verdadeiras raridades jornalísticas os artigos de opinião na imprensa brasileira que não jogam pedras na conduta do governo no caso de Honduras. A linha da maioria absoluta dos comentários encomendados ou aceitos para publicação é que o Brasil entrou – porque quis – numa fria. E deve ser responsabilizado pelo que vier a acontecer de pior em Tegucigalpa por deixar Zelaya transformar a Embaixada em centro de resistência ao governo que tomou o seu lugar há três meses.
Quanto mais o regime golpista mostra o que é, mais os articulistas a quem se permitiu ocupar o campo do que deveria ser um debate equilibrado sobre o assunto põem a culpa no Planalto e no Itamaraty. Por essa lógica, o fechamento da Rádio Globo e do Canal 36, as únicas emissoras pró-Zelaya em seu país, não é uma violência autoritária, mas uma medida explicável pelas circunstâncias.
A leitura de editoriais e colunas assinadas deixa claro que a mídia em geral também se pôs a reescrever a história da derrubada de Zelaya. Agora, o que se passou em 28 de junho em Honduras não foi um golpe, mas a deposição legal de um presidente que, ele sim, cometia uma ilegalidade – a convocação, para aquele dia, de uma consulta popular sobre uma eventual reforma da Constituição. O único “erro” dos golpistas teria sido expulsá-lo do país.
A propósito, o jornalista Sergio Leo escreveu no Valor da segunda-feira, 28: “Diplomatas estrangeiros em Brasília assustaram-se com um inusitado desdobramento, no Brasil, das críticas ao governo brasileiro durante a crise política em Honduras. O surpreendente […] é que, entre os críticos do governo brasileiro, algumas vozes vão ao ponto de defender o golpe de Estado praticado em Honduras. Assusta, porque mostra uma perigosa disposição, a de aceitar métodos condenáveis para livrar países de políticos indesejáveis.”