Pela milionésima vez lê-se num jornal a expressão “perigo das ruas”. É num editorial da Folha de S. Paulo de hoje (14/4). Trata-se de elogio ao projeto “São Paulo é uma escola”, da prefeitura, que estaria ameaçado. Ele é definido assim: “A idéia é ampliar a permanência na escola, instituindo um regime que contribua para melhorar a formação das crianças e afastá-las dos perigos das ruas”.
Entende-se a boa intenção, mas capta-se no texto a persistência de uma concepção velha, que cada dia mais se torna quase uma patologia da sociedade brasileira: tirar da rua. A rua apenas como incontornável passagem (salvo para quem usa helicóptero, mas mesmo esses andam pelas ruas entre a casa ou o escritório e o heliponto). Em muitas favelas e bairros pobres as ruas já foram abandonadas pelo Estado, e a população que se vire para exercer o direito de ir e vir sob a opressão de bandidos (ou da polícia).
As cidades brasileiras não terão um futuro muito brilhante enquanto não se privilegiar a concepção de que é preciso não afastar as pessoas “dos perigos das ruas”, e sim afastar o perigo das ruas, ou, para que fique bem claro: afastar das ruas o perigo. Devolver as ruas ao povo. (Mas qual é o conceito de povo no Brasil?)
Em todo caso, não muito tempo atrás as ruas não davam medo, davam prazer. No site do Museu da Pessoa encontram-se muitas histórias que falam das ruas de São Paulo e de outras cidades. Veja-se o exemplo de Dejane Santos Albuquerque. Não se tem a data do nascimento dela, mas é pessoa que não terá mais do que 35 anos de idade, porque diz a certa altura (o depoimento foi dado em dezembro passado) que seu maior sonho é ser mãe:
“Nasci em Guarulhos e fui educada na Jardim Jade, morava na Rua 11, até os 12 anos, depois mudei para a Rua 6, hoje Rua Belém. Sou muito moleca, adoro, digo isso porque ainda faço, brincar de taco na rua, jogar vôlei, cantar, jogar baralho, empinar pipa, jogar bolinha de gude… Cresci numa família em que todos se respeitavam entre si, tive uma infância maravilhosa”.
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Outro exemplo é o do publicitário Alex Periscinoto:
“Eu tinha que lavar a louça, na hora do almoço, não tem problema. Eu lavava a louça, depois ia para o açougue lavar o estrado do açougue, na calçada, era uma coisa ao ar livre, gostosa, não tem problema, mas na hora do jantar, a coisa mais chata é que eu tinha que lavar a louça e ficava tarde, e tinha os amigos, os garotos, brincando na rua, jogando bola. Nós tínhamos bola de pano, bola de meia grande, muitas meias amarradas e tal. E eu tinha que lavar a louça depressa pra pegar ainda parte do jogo, porque eu queria ficar um pouco na rua‘.
Para ler mais, vá até o site do Museu da Pessoa, clique em Acervo e, na busca por nome, escreva Alex Periscinoto. Por sinal, um depoimento que vale a pena a ler inteiro.
Quando vão aparecer prefeitos que proponham ao povo recuperar as ruas do centro e de todos os bairros das cidades?