Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Destino de Renan depende da mídia

Se o Senado fosse um teatro, e a sessão de ontem [28/5], um espetáculo, seria o caso de dizer que o primeiro ato consistiu na tentativa do protagonista Renan Calheiros de transformar, por um passe de mágica, a história de uma ligação suspeita com um lobista de empreiteira numa história de exploração malévola de sua ligação extra-conjugal com uma jornalista.


O segundo ato foi a troca de cartas marcadas entre o presidente da casa, o próprio Renan, e o líder da bancada do partido de ambos, o PMDB, Romero Jucá. Assim que o “amigo de 20 anos” do lobista terminou de falar, o correligionário se apressou a lhe pedir que suspendesse a sessão, no que foi prontamente atendido. Assim, se evitou que alguma excelência, mesmo no afã de se solidarizar com o suspeito, dissesse da tribuna ou do microfone de apartes alguma inconveniência que pudesse perturbar o show em curso.


E assim se abriu o caminho para o terceiro ato – e o fecho glorioso do dia: pressurosos senadores fazendo fila para cumprimentar o político alagoano que armara o jogo de cena de se apresentar como um Clinton brasileiro, confessando o seu affair com outra Mônica – a Veloso, não a Lewinsky – mas continuava a ser o Calheiros amigo também “há 20 anos” do empreiteiro Zuleido, navalhado pela Polícia Federal na condição de chefe de uma sofisticada organização criminosa, como diria o procurador-geral da República em outro contexto.


Nos jornais de hoje, vários críticos da matinê senatorial a ela se referiram em termos parecidos a esses para advertir o distinto público que, do jeito que as coisas ficaram, é mais fácil um político brasileiro entrar no reino dos céus do que os senadores resolverem infernizar a vida do colega exposto na edição desta semana da revista Veja.


Mesmo porque, como oportunamente lembrou a colunista Tereza Cruvinel, do Globo, não foi por distração que Renan terminou o seu monólogo com as seguintes palavras:


“Reafirmo, como presidente do Senado, meu compromisso de apoio integral a qualquer investigação dentro da lei, especialmente pelo Congresso Nacional, sobre todas as denúncias que envolvam as relações de empresas e empresários com o Poder Legislativo e com o Poder Executivo.”


Nas palavras de Tereza, “a carapuça tem medida e endereços certos”. Ou, podia ser, “Mexeu comigo, ligo o ventilador, amigo.”


O resumo da ópera, portanto, é o seguinte: ou a mídia consegue ir além do que foi em destrinchar as ligações perigosas do collorido senador – e não me refiro obviamente às suas eventuais ligações sentimentais – ou ele assumirá de novo, sem ter o que recear, a atitude zen que costuma exibir, como se fosse um iluminado discípulo do Gautama Buda.


Ir além do que foi não é apenas a mídia ir atrás da origem do dinheiro desembolsado pelo senador para a ex-namorada e a filha que tiveram – por mais importante que isso seja para a eventual caracterização da promiscuidade que todos farejam no caso.


É ir mais fundo no papel do lobista Cláudio Gontijo e da big empreiteira para a qual trabalha, a Mendes Júnior. Ontem mesmo, por intermédio do seu advogado, Mônica Veloso tirou o gás da versão de Renan, segundo a qual ele recorreu a seu amigo Cláudio para intermediar a entrega do dinheiro porque ele também é (ou era) amigo de Mônica.


Como se lê no editorial “O que a transparência exibe”, do Estado de hoje:


“Apenas para raciocinar, admita-se – na contramão de todos os indícios plausíveis – que Calheiros tenha dito a verdade quando assegurou que “meus compromissos sempre foram honrados com meus próprios recursos”. Admita-se ainda que, apenas por discrição num caso circunscrito à sua “mais íntima privacidade”, ele tenha recorrido durante três anos a um intermediário para fazer os pagamentos mencionados na reportagem da Veja. O senso comum elementar impõe a pergunta: mas por que exatamente um lobista, ainda mais de uma grande empreiteira?”


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