Melissa Monteiro, a produtora independente que entrevistou o presidente Lula em Paris, escreve na Folha de hoje que a machucaram muito as “críticas, calúnias e ataques covardes” de que se considera vítima pelo “furo de reportagem” que conseguiu.
Coisa de “invejosos”, rebate Melissa, portadora de um diploma de engenheira de produção pela Poli, da USP, e de jornalismo, por uma faculdade de Lille, na França.
“Muitos egos amargurados, que correram atrás do presidente Lula durante dias em vão, preferiram criticar minhas perguntas do que aceitar o principal: foram elas que arrancaram da boca do presidente palavras sobre a crise política, enquanto as perguntas pseudo-inteligentes e arrogantes obtiveram o silêncio como resposta”, afirma.
Já as perguntas dela, inteligentes e humildes, como “o senhor acredita que há males que vêm para o bem?” – uma levantada de bola para ninguém pôr defeito – foram devidamente respondidas. Et pour cause. Mas passemos.
A essência de sua versão é esta: “Minha idéia inicial era fazer uma reportagem humana e pessoal, que traçasse o perfil de Lula, ainda em Brasília, antes da sua vinda à França. Num trabalho de muita insistência, paciência e perseverança, cinco semanas depois, consegui essa entrevista exclusiva em Paris.”
“Isso é um detalhe bobo. Isso não interessa”
Três dias antes, Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa, a entrevistou por telefone. Trechos:
“Quem autorizou a entrevista?”
“Não existe isso. Não existe uma pessoa que autoriza. Você tenta, vai tentando… A resposta está aí: eu comecei a tentar a fazer essa matéria em Brasília, e ela fracassou. E a entrevista que o presidente me concedeu foi uma conseqüência de uma matéria mais longa, que fracassou.”
“Em Marigny [nome do palácio onde Lula estava hospedado e falou a Melissa] foi ele quem chamou você?”
“Acho que isso é um detalhe bobo, quem chamou, quem não chamou. Eu tive a entrevista e ponto. Eu sou jornalista. Ninguém me chamou. Eu pedi para estar ali e fui aceita.”
Perguntada por Egypto sobre o making of da entrevista, respondeu: “Isso não interessa. Interessa que eu consegui.”
De fato, Melissa não faz perguntas arrogantes. Dá respostas arrogantes. Mas passemos, de novo.
Melissa quem?
Quando o Fantástico pôs no ar a entrevista, foi absolutamente justificada a suspeita de que tinha sido uma armação para Lula poder dar o seu recado, assinando em baixo das alegações de Marcos Valério e Delúbio Soares, no Jornal Nacional da véspera e antevéspera, de que o mensalão não existiu, o que existiu foi financiamento de campanhas eleitorais.
Nas imortais palavras do presidente: “O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente”.
Afinal, Lula não dissera, ao lado do anfitrião Jacques Chirac, que teria “o maior prazer” em responder a perguntas sobre o Brasil, mas no Brasil? E afinal, que Melissa era essa de quem a Globo comprou os direitos da entrevista? Segunda-feira cedo liguei para uma jornalista brasileira que faz jornalismo em Paris há 15 anos. Ela não sabia de quem se tratava. Nem ela, nem dois outros veteranos a quem consultou.
Não quero apequenar ninguém. Mas sustento que não foi por “inveja”, e sim por esses procedentes motivos que os profissionais que haviam acompanhado Lula à França, os que ali trabalham para órgãos brasileiros de mídia, e os daqui, se perguntaram, legitimamente, se Melissa tinha feito, nas carregadas palavras do seu artigo “parte de um complô com a assessoria de imprensa do Planalto”.
Foi por “inveja” que o Luiz Egypto, do OI, ligou para ela, pedindo que contasse a história da entrevista?
Encurralados pelos guarda-costas
Melissa Monteiro parece que se dá mais importância do que efetivamente tem na ordem das coisas. Se descesse um instante de suas sandálias, perceberia que o protagonista central do acontecimento se chama Luiz Inácio Lula da Silva.
Foi ele, como escrevi neste blog, e não ela, quem ofendeu os jornalistas brasileiros, dando a uma produtora independente, que pretendia vender o material para uma TV francesa, mas acabou vendendo para a Globo, as declarações políticas não quis dar à imprensa nacional.
Quem cobriu a viagem de Lula, tendo coberto outras das muitas que não se cansa de fazer, ficou espantado – e pê da vida – com o maciço bloqueio da segurança para manter a imprensa longe dele.
Se Lula não respondeu às perguntas que os repórteres lhe dirigiam, enquanto encurralados pelos seus guarda-costas, não foi por serem elas “pseudo-inteligentes e arrogantes”. Foi porque não quis.
Ele aceitou falar com a free-lancer Melissa porque, sim, ela batalhou por isso meses a fio: palmas para ela que ela merece. Mas também por algo muito mais decisivo: porque a pauta da jornalista, segundo Lula tinha tudo para crer, era inofensiva. Ou não?
Perguntas contrabandeadas
“Minhas idéia inicial”, escreveu Melissa na Folha, “era fazer uma reportagem humana e pessoal, que traçasse o perfil de Lula, ainda em Brasília, antes de sua vinda à França”, para vender a uma emissora francesa. Perfeito.
Como a idéia gorou, porque a crise deixou Lula sem hora – ou sem vigor – para recebê-la, e ela continuou batalhando pela palavra do presidente, acabou sendo atendida. Mas é aqui que mora outro problema.
Supondo que todos os fatos relatados por ela sejam verdadeiros, Melissa passou a perna em Lula. Ela contrabandeou para dentro da entrevista questões políticas que não estavam no programa.
A fragilidade das perguntas são outros 500. O uso que delas fez o entrevistado, também. Mas ela não tem razão de atacar o porta-voz André Singer e o assessor de imprensa Rodrigo Baena, como fez no artigo, porque ficaram indignados com a sua esperteza.
Revoltada, Melissa escreve que eles a acusaram de não ter cumprido “o nosso trato”. De fato, não cumpriu. Mas por que a zanga? Imaginem se, depois de aceitar ser entrevistado por ela, sabendo que ouviria perguntas políticas, o presidente desse para trás assim que a repórter ligasse a câmara. Não seria quebra de trato?
Até a Torre Eiffel derreter
Reconheço que a situação pode ser vista por outro ângulo: como excluir de uma entrevista com um presidente notoriamente enredado numa crise de ética política perguntas sobre essa batata-quente? Jornalista que é jornalista dificilmente resistiria à tentação de se valer da oportunidade.
Isto posto, é muita petulância dizer que “apenas fiz aquilo que todo jornalista deveria fazer sempre: persistir até o último minuto para conseguir informações inéditas…”
Repetindo: persistir, todos os que cobriam a visita de Lula persistiram. Entre eles, jornalistas que já sabiam o que fazer sempre, quando ela ainda não era nascida. Se tivesse dito ao pessoal de comunicação do presidente que iria lhe fazer perguntas políticas, poderia persistir até a Torre Eiffel derreter – e daria com a cara nos portões do palácio Marigny como qualquer dos colegas a quem ela teve a temeridade de acusar de falta de persistência.
P.S.No artigo, Melissa diz que quis “deixar o presidente à vontade”. Jornalistas que se preocupam em deixar presidentes à vontade chamam-se chapa-branca.