O PCC seqüestrou o repórter Guilherme Portanova, da Rede Globo, em agosto de 2006, para obter a divulgação de um texto. A Globo cedeu, para defender a vida do repórter. Ontem (12/2), a TV Bandeirantes exibiu de graça um DVD encomendado a uma produtora por um dos chefes do PCC. São imagens de uma inusitada festa de fim de ano na favela do Morro do Samba, em Diadema, regada a cocaína e maconha, entre outros baratos. A emissora informou que a Polícia encontrou o DVD na casa de um dos traficantes da favela. Estratégia de marketing do homem, dito Biroska.
A Polícia, com o discernimento que lhe é peculiar, pensou na sua tarefa cívica e resolveu que se tratava de informação da mais alta relevância, uma denúncia espetacular (denúncia, em primeiro lugar, da incompetência da Polícia e de outras instâncias do poder público). A emissora, com o discernimento que é peculiar ao telejornalismo brasileiro, colocou no ar, antes das oito da noite, todas as cenas produzidas por encomenda do traficante. Homens e mulheres cheirando cocaína, um charutão de maconha, armas, cerveja na mão de meninas, uma farra.
Depois as pessoas não entendem por que os problemas de criminalidade e violência só fazem se agravar no Brasil, embora muita gente peça mais repressão, mais cadeia, mais pancada, mais execuções sumárias, mais tortura. Entre outras razões, porque a Polícia e a mídia, sempre mancomunadas, se encarregam de promover bandidos. Há muitas décadas, mas com requintes crescentes de insensibilidade.
Cabral, Itagiba, Lins
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, repete a cantilena da “guerra ao crime” entoada por todos os seus antecessores nos últimos vinte anos, com os resultados conhecidos. A mídia dá destaque a pronunciamentos e propostas de Cabral, entre elas a de alterar princípios federativos vigentes desde o início da República, em nome da diversidade de realidades e culturas do vasto território brasileiro.
O Planalto poderá até apoiar uma proposta assim, porque ela cai do céu para quem quer lavar as mãos em relação aos fenômenos da criminalidade e da violência. E o Brasil caminharia na direção oposta à que foi tomada pelos Estados Unidos quando o crime, lá, nos anos 20 do século passado, acendeu todas as luzes amarelas e vermelhas da sociedade.
O que a mídia nunca destacou, desde o primeiro dia de governo de Sérgio Cabral, é que ele pertence ao mesmo partido, o PMDB, que abriga em seus quadros o ex-secretário de Segurança Pública Marcelo Itagiba (2004-2006) e o ex-chefe da Polícia Civil Álvaro Lins (2000-2006). Itagiba hoje é deputado federal. Álvaro Lins, deputado estadual. Ambos tiveram votações consagradoras em áreas dominadas pelas milícias, como revelou o Globo de domingo (11/2).
Quem sabe Itagiba não assume, na Câmara dos Deputados, a iniciativa de propor a legislação cogitada por Cabral? A operação, nesse caso, ficaria completamente redonda.
Há apenas alguns inconvenientes desagradáveis. Em entrevista recente ao Observatório da Imprensa, o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, coronel da reserva da PM de Minas Gerais Severo Augusto da Silva Neto, disse que as milícias já são usadas por grandes atacadistas de drogas para substituir traficantes desalojados. Leia aqui.
O mais relevante é que Itagiba e Lins foram responsáveis pela política de segurança (também se tratava de uma “guerra”, como declarou Itagiba em entrevista à IstoÉ, em meados de 2005) que conduziu o Rio de Janeiro ao atual estado de coisas.
Vítimas e vítimas
Em alguns casos, as vítimas têm nomes e podem ser pranteadas. Eu outros, não. Nem é preciso dizer por quê. Em reportagem do O Dia de hoje (13/2) sobre a ameaça de invasão da Cidade de Deus há a seguinte passagem: “Foi nas proximidades da Vila Sapê que, em outubro, três jovens [sic] com idades entre 10 e 14 anos foram torturados, estrangulados e jogados dentro de sacos plásticos à beira de um rio”. Você, leitor, se lembrava desse episódio? Eu também não.