Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Colapress’ na modernidade

A expressão "colapress" vem do tempo em que os "despachos" das agências de notícias chegavam por telex (existe, para quem não sabe o que é, uma definição de telex na Wikipedia). Toda redação, principalmente na editoria de Internacional, tinha tesoura e cola para montar "matérias" colando pedaços de diversas procedências numa lauda, a folha usada pelos jornalistas para redigir seus textos.

Cheguei a fazer isso quando, editor de Política da falecida Última Hora, do Rio de Janeiro, fiquei sozinho durante alguns dias em 1984. O clima na redação era tão nefasto – uma pretendida reforma fracassara – que toda a minha pequena equipe sumiu. Ficaram doentes, e creio que não era fingimento. Mas o jornal precisava sair todo dia. A UH comprava noticiário das agências Estado, JB e Globo, se não me falha a memória. E eu pratiquei o ofício de montar matérias com um pouco de texto escrito na hora e colagens diversas de noticiário brasiliense. Havia tesouras ou facas mágicas e uma cola branca: era um frasco de vidro transparente e a tampa trazia um pincel incrustado no centro.

Acabo de passar por uma redação paulistana e ouvir um comentário ácido sobre como o noticiário do UOL a respeito da interminável crise dos aeroportos foi montado mediante o "colapress" moderno, muito menos lambuzado do que o de vinte e tantos anos atrás. O UOL usou material da… Agência Estado. Copio trechos de uma nota colocada na rede às 14h40:

"Após um domingo caótico nos aeroportos do Brasil, nesta segunda-feira os passageiros enfrentam o ´efeito cascata´ decorrente dos transtornos do dia anterior. Como muitos vôos originalmente marcados para domingo foram reagendados para hoje, às 14h a Infraero apontava atrasos de mais de uma hora em 297 dos 1.010 vôos (29,4% do total).

(….) No Aeroporto Afonso Pena, em Curitiba, eram verificados onze vôos com atrasos. Já no Aeroporto Santos Dumont, no Rio, sete vôos apresentavam atrasos. Não era possível verificar a situação no Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília, por meio do site da Infraero. Segundo a assessoria de imprensa da estatal, em Brasília, por conta dos problemas de ontem no sistema ainda não é possível atualizar os vôos para publicar no site. *Com Agência Estado".

Certamente existem explicações operacionais para a Folha usar material do Estado. Mas o raciocínio que ouvi na redação que visitava ia na seguinte linha: é mais barato comprar o serviço das agências do que contratar repórteres.

Os serviços online são deficientes, como sabe qualquer internauta minimamente avisado. E têm a inquietante prática de copiar-se uns aos outros. Muitas vezes sem dar o devido crédito, como aconteceu quando, no início deste mês, houve uma rebelião na Febem de Araraquara, interior paulista. Comparem-se os textos (4 de março de 2007):

Estadão (02h10):

"No momento, os adolescentes ocupam o telhado do local e estão armados com canos de ferro e facas, que foram tiradas da cozinha profissionalizante da unidade".

Folha (09h19):

"Depois ocuparam o telhado do local armados com canos de ferro e facas, que foram tiradas da cozinha profissionalizante da unidade".

Será que foi mera coincidência?

Leia também "Colapress" na modernidade II.