Com grande alarido, a Folha noticiou, citando fontes anônimas da Polícia Federal, que, por intermédio de empresas laranjas, o PT recebeu R$ 500 mil em doações da Cisco, a multinacional do setor de informática acusada de sonegação em grande escala e delitos correlatos.
Até aí, tudo bem. O PT não negou os recebimentos. Mas, depois, novamente com base em informantes não identificados da Polícia Federal, o jornal deu que, em troca das doações, a Caixa Econômica Federal mudou um edital de licitação para favorecer a Danovo, empresa que trabalha com produtos da Cisco.
Hoje a Folha anuncia os desmentidos da Caixa e da Danovo, sob a forma de notas enviadas ao jornal – publicadas com aquelas letras miúdas cuja leitura pede uma lupa, numa burla da Lei de Imprensa, que determina que a versão da parte acusada tenha o mesmo destaque da matéria acusatória.
Mas isso até que é o de menos. A Caixa e a Danovo demonstram que o suposto toma-lá-dá-cá não poderia ter acontecido porque o edital foi alterado somente em relação a um dos quatro itens em disputa – vencido por outra empresa. A única vitória da Danovo foi numa concorrência cujo edital não foi mexido.
O que faz a Folha? No corpo da matérial principal, assinada pelo repórter Hudson Corrêa, lava as mãos duas vezes.
Primeiro, ao dizer que “a contrapartida [das doações], suspeitam os investigadores, seria uma alteração no edital citado”.
Segundo, ao reiterar que “a doação, segundo interpretações de policiais, teria ocorrido em troca de mudanças no edital do pregão eletrônico para beneficiar a Damovo.
As palavras-chave: “suspeitam”, “seria”, “interpretações” (!), “teria”.
Mas, na sub-matéria “PF investigará vazamento de informações”, os repórteres Mario Cesar Carvalho e José Ernesto Credendio escrevem candidamente:
“Em troca da doação, a integradora de sistemas eletrônicos, que trabalha com produtos da Cisco, a Damovo, venceu leilão eletrônico da Caixa Econômica Federal de R$ 9,9 milhões. Segundo a investigação da PF, o edital teria sido alterado. A Caixa nega a alteração.”
Repetindo: “em troca da doação […] a Damovo venceu leilão […]’
Ou seja, a Folha banca a relação de causa e efeito entre uma coisa e outra. O condicional se limita ao alegado mecanismo da “troca”.
Isso merece ser chamado de “jornalismo autoritário” – uma perversão da autoridade do jornal que deve resultar da robustez de suas informações. À falta disso, o jornal simplesmente impõe ao leitor a sua verdade.