Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sobre a observação crítica da mídia

O veículo de comunicação ou o repórter é favorável ou contrário ao entrevistado? É fácil identificar: não requer prática nem tampouco habilidade. Se é favorável, o entrevistado ‘diz’, ‘afirma’, ‘mostra’. Se é contrário, o entrevistado ‘alega’, admite’, ‘limita-se a dizer’. No rádio, basta uma mudança no tom de voz do locutor, às vezes um leve deboche, para que se saiba se ele acredita ou não no que diz o entrevistado, se concorda com a notícia ou dela discorda. Na TV, nem é preciso prestar muita atenção: os apresentadores fazem caras e bocas, mostram claramente quem é que acham que tem razão.

Objetividade jornalística? Depende: se a notícia envolve um terremoto num lugar distante, basta o leve tom de tristeza no semblante do apresentador. Se a tragédia é mais próxima, as coisas mudam bastante conforme a posição política do veículo e do apresentador (ou do redator, ou do locutor). Se é favorável ao governo federal, apresenta com a máxima seriedade os dados sobre o excepcional volume de água que desabou sobre o Rio, dirigido por aliados do presidente Lula; e se refere ao descaso com que os sucessivos governos anteriores cuidaram da habitação popular e da ocupação das áreas de risco. Já no caso das enchentes de São Paulo, há sinais inequívocos de que se o governo tucano fosse bom a cidade estaria preparada para chuvas ainda mais fortes. Se é favorável ao governo paulista, o problema do Rio é causado pelo governo e pela prefeitura, que não previram a possibilidade de deslizamento dos morros; já em São Paulo a culpa é das chuvas, que teriam alagado até cidades de Primeiro Mundo.

Não é questão apenas política (embora, neste momento eleitoral, esteja cada vez mais fácil descobrir a posição partidária dos veículos e de suas estrelas). Há a guerra entre empresas favoráveis à Igreja Católica e as ligadas ao protestantismo neopentecostal, especialmente a Igreja Universal do Reino de Deus. E há as patrulhas militantes, que buscam qualquer deslize dos apresentadores ou dos veículos que não apreciam para iniciar campanhas de desmoralização.

Como diz o lema deste Observatório da Imprensa, ‘você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito’. Até o noticiário esportivo se contaminou, com a avaliação jornalística dos clubes sendo ligada à posição política que tomam na Confederação Brasileira de Futebol.

Vale a pena ser prudente: não leia um só jornal, não aceite uma única fonte de informação. Vale a pena ser observador: tom de voz, trejeitos faciais e escolha das palavras dizem mais sobre a posição dos veículos do que qualquer editorial.

 

Os crimes que ninguém quer ver

Este colunista não tem nada favorável a dizer sobre o general Newton Cruz, que foi comandante militar do Planalto durante a ditadura. Mas ocupou cargos da mais alta importância, incluindo a agência central do SNI, o terrível Serviço Nacional de Informações; conheceu os governos por dentro; era companheiro dos generais que chegaram à Presidência da República. O que diz tem importância, portanto – ou por ser verdade, e nesse caso exige investigação, ou por ser mentira, e nesse caso exige punição. E, de qualquer maneira, o que diz pode configurar outro crime, o de ter conhecimento de fatos delituosos que ocorreram e, abdicando de suas responsabilidades, silenciar sobre eles.

A entrevista do general Newton Cruz ao jornalista Geneton Moraes Neto, no canal Globonews, foi quase ignorada pela grande imprensa. E, no entanto, ele narra coisas notáveis, como a proposta que disse ter recebido de Paulo Maluf, então candidato à Presidência da República, de mandar assassinar seu adversário Tancredo Neves, ou a informação de que sabe quem eram os militares que queriam promover novo atentado a bomba, logo após o atentado do Riocentro (veja a entrevista completa aqui ou leia o texto do próprio Geneton, aqui.

Muito bem: por que ninguém foi ouvir Paulo Maluf sobre a pesada acusação que lhe foi feita pelo general Newton Cruz? Ninguém foi investigar os passos do general no Rio de Janeiro quando, num encontro com militares-terroristas, disse ter mandado suspender o atentado que planejavam? Ninguém quis saber por que, sabendo que havia militares agindo fora da lei, fora da disciplina, fora da determinação de seu comando, não lhes deu voz de prisão, no momento ou mais tarde?

E não é só a imprensa: o Ministério Público já deveria ter aberto inquérito para apurar o que aconteceu. Os dois casos são espantosos: o primeiro, de proposta de magnicídio – o assassínio do candidato favorito à Presidência; o segundo, de terrorismo puro e simples, com a morte sabe-se lá de quantas pessoas inocentes.

E, no caso da imprensa, cadê a repercussão?

O caso Watergate foi liderado do início ao fim, nos Estados Unidos, pelo Washington Post. Mas os outros jornais foram atrás, lutaram, conseguiram suas informações. Aqui é capaz de nem terem visto a entrevista do general.

 

Os limites da resposta

Por falar em coisa espantosa, vale a pena acompanhar a briga entre o estudante de jornalismo Lucas Nobuo Waricoda e o ‘Repórter Zeca’, apelido do apresentador José Carlos Stachowiak, da TV Vila Velha (ver, neste Observatório, ‘Agressões e ameaças contra estudantes críticos‘). Waricoda criticou o programa no blog da Universidade Federal de Ponta Grossa, qualificando-o como ‘exemplo a não ser seguido’. Outra frase: ‘Não se sabe se o programa quer realmente ser levado a sério, pois trata os assuntos com parcialidade e, por vezes, não parece manter respeito com os indivíduos citados nas matérias’. Stachowiak reagiu com violência: ‘Seu filho de uma égua, tua mãe fica comendo capim por aí, seu vagabundo (…) Antes de esse menino nascer eu já fazia esse programa. E programa policial já existe antes de a mãe dele começar a sair com o vizinho’. Em seguida, foi às ameaças: ‘Se acontecer alguma coisa com você hoje, fui eu que te peguei. Você arranjou o pior inimigo de sua vida, porque eu acabo com a minha vida mas acabo com você’.

O ‘Repórter Zeca’ foi ao extremo; mas não é o único caso de jornalista que, abusando de seu poder de divulgação, tenta impor-se pelo medo. É um dos problemas mais sérios da profissão. Envolve, por exemplo, a dificuldade de aceitar o erro e corrigi-lo; e envolve (vale a pena retornar à nota inicial desta coluna) a utilização de manobras diversas para colocar mal o lado do qual não gosta, sem assumir abertamente a posição de adversário.

 

O mundo da fantasia

Curiosíssima foi a reação do Sindicato dos Jornalistas às ameaças do ‘Repórter Zeca’ ao estudante Waricoda: concluiu que tudo é consequência da não-obrigatoriedade do diploma de jornalista. Desde quando diploma de jornalista confere educação e equilíbrio a quem o recebe? Como não se diria no interior de São Paulo (onde a frase é bem mais direta), que é que tem uma coisa a ver com outra?

 

O jornalista e a polícia

Aquela história aqui debatida na semana passada, sobre o repórter francês que fez uma reportagem a respeito de uma rede de pedófilos e entregou todos à polícia, acaba de repetir-se no Brasil.

Uma excelente reportagem de TV mostrou que moradores de rua eram usados como laranjas para troca e envio de dólares ao exterior. Até aí, perfeito, e a reportagem estava mesmo muito boa. Mas o repórter disse no ar que, antes de divulgar a reportagem, antes de entregá-la a Sua Excelência o público, entregou todo o material à polícia, o que resultou na prisão dos doleiros.

Aí não há nem o que discutir: não se trata de salvar crianças de uma rede de pedófilos, nem de evitar que assassinos atinjam seus objetivos. Repórter é repórter: seu trabalho é apurar a notícia e colocá-la no ar. Se a polícia e o Ministério Público tiverem interesse no assunto, que utilizem o material divulgado. Afinal de contas, se a equipe de reportagem de uma rede de TV foi capaz de localizar os doleiros, os laranjas e destrinchar suas atividades, por que pessoas treinadas em investigação não seriam capazes de fazê-lo?

É importante manter as profissões separadas: policial é policial, jornalista é jornalista. Quando se misturam, só pode dar errado.

 

Chatos em ação

Este colunista sempre foi gordo. Odeia quando o chamam de ‘forte’, ou ‘gordinho’. Não, forte é quem tem músculos; e chamar de ‘gordinho’ uma pessoa que levou anos para colocar seu corpo em forma (barril também é uma forma) é francamente insultante. Depois criou-se o ‘obeso’, jargão médico para falar de gordo. Agora já se busca uma forma politicamente correta que seja sinônima de obesidade: ‘peso insalubre’. A proposta sai da Inglaterra e, esperemos, não terá sucesso, até por sua dubiedade: aquelas modelos de 1m80 e 32 quilos não terão também ‘peso insalubre’? E pensem numa notícia politicamente correta, a respeito de um anão preto e gordo: um afrodescendente verticalmente prejudicado, dotado de peso insalubre. E, se ele for cego, completa-se: afrodescendente verticalmente prejudicado, dotado de peso insalubre e deficiência visual. Ufa!!!

O pior de tudo é que a frase é dúbia: de acordo com todas as pesquisas, a origem do ser humano é a África. Somos todos, pois, afrodescendentes, incluindo os albinos, os suecos e o candidato José Serra. Mas isso não inibirá os politicamente corretos: este colunista ainda se lembra do longo debate a respeito dos negros, que deviam ser chamados de pretos (ou vice-versa). O fato de ambos os termos serem sinônimos perfeitos jamais foi levado em conta pelos chatamente corretos.

 

Coisa estranha

Um respeitado portal noticioso de internet publicou uma notícia esquisitíssima: a de que um leitor, que não se identificou, lhes teria enviado fotos exclusivas do novo Fiat Uno. Fotos ótimas, aliás. Não eram instantâneos, nem fotos de celular. Tudo indica que foram feitas em estúdio.

Pergunta básica: como é que um leitor não identificado manda fotos para um portal noticioso e estas fotos são publicadas sem confirmação? E se o cavalheiro for um designer frustrado e tiver criado uma maquete com o carro de seus sonhos só para obter divulgação? E se concorrentes mal-intencionados usam um testa de ferro para apresentar um carro feio como o novo modelo da rival?

Segunda pergunta: como é que o segredo de fábrica aparece no portal com as opções de tecido dos bancos, o desenho do painel, coisas desse tipo? Tem mais cara de anúncio, ou de press-release, do que de segredo de fábrica.

Pergunta final: como é que um respeitado portal noticioso da internet publica um anúncio, ou um press-release, e o mascara como se fosse segredo de fábrica captado por um leitor desconhecido?

 

Como é mesmo?

Notícias publicadas no mesmo dia 13 de abril, em diversos jornais e portais:

** ‘Morumbi fora da abertura e da Copa’

** ‘Jornal diz que Morumbi está fora da Copa. São Paulo duvida.’

** ‘Fifa reafirma que Morumbi não pode receber abertura’

** ‘Fifa decide excluir Morumbi da Copa de 2014, diz jornal’

** ‘Fifa desmente informação de que Morumbi está fora da Copa’

** ‘Fifa nega ter descartado o uso Morumbi na Copa de 2014’

 

Mundo bizarro

1. Lembra daquele jovem goiano que matou e esquartejou a namorada, a inglesa Marie Burke, em julho de 2008? Pois bem: agora ele tentou matar seu companheiro de cela. E a notícia termina da seguinte maneira:

‘`O pai dele foi esquartejado´, disse (…), tia de Mohammed, durante depoimento no julgamento dele no ano passado. `O pai dele, que era policial, saiu para pescar e nunca mais voltou. O corpo dele foi encontrado esquartejado. Até hoje o crime não foi resolvido. Naquela época, Mohammed tinha apenas 2 anos´, disse a tia.’

Pergunta-se: com 2 anos, ele teria algo a ver com o esquartejamento do pai? Se não tinha, por que esse tema entrou na notícia?

2. ‘Inglês admite ter abusado sexualmente de burro e cavalo’

Pois é, querem processá-lo. Numa revista Playboy antiga, um prócer brasileiro conta que abusou sexualmente de cabras. E um importante homem de imprensa, embora não tenha dado entrevistas sobre o tema, costumava narrar sua iniciação sexual com uma simpática e amorosa cabritinha. Por que chatear o inglês?

3. ‘Cavalo dálmata deixa povão com pulga atrás da orelha’

Há coisas que só acontecem na Inglaterra. Lá, nasceu um pônei branco com pintas pretas, e como o vizinho tem um cachorro dálmata, começou a boataria (que os jornais sensacionalistas, claro, se apressaram a divulgar). Não: cachorro não cruza com cavalo (essas alianças estrambóticas, que juntam Collor e Lula, isso dá só no Brasil – e só no Brasil aconteceria a quase volta de Sarney à Presidência, barrada apenas porque o vice José Alencar, patrioticamente, decidiu interromper sua carreira política para evitar a catástrofe).

A propósito, o caso do cavalo inglês é raro, mas pode acontecer.

 

E eu com isso?

Vamos falar a verdade: às vezes, é importante saber as coisas que não são importantes. Por exemplo, que Tânia Mara, grávida, tem desejo de comer pão com ovo. Ou que Madonna compra máquina de R$ 136 mil para eliminar celulite. É provável que tenha jogado dinheiro fora: com a tremenda malhação que faz, a celulite que sobreviver deve ser extremamente resistente.

** ‘Inglesa de 152 kg é paga para comer besteiras em frente das câmeras’

** ‘Cachorro é demitido por dormir durante assalto a bar’

** ‘Estudantes de Cambridge terão aula de dança do mastro para aliviar estresse’

Pois é, pois é. Dizem que dança do mastro é ótima para relaxar.

** ‘Empresa paga R$ 1,6 mil por semana para bons dorminhocos’

A empresa fabrica sacos de dormir. Ou, como se diz em português para ser entendido nas lojas de nosso país, sleeping bags.

** ‘Homem é preso após tentar entrar nu no gabinete do prefeito’

Isso não acontece por aqui: foi em Regina, Arizona, nos EUA.

** ‘Mel B é fotografada sendo apalpada pelo marido em Londres’

** ‘Britney Spears esquece calça aberta’

** ‘Modelos arrancam a roupa em inauguração de loja de computador’

** ‘Americano pretende atravessar Canal da Mancha preso a balões’

No Brasil, houve um padre que fez coisa parecida. Nós já vimos este filme.

** ‘Ladrões se fantasiam de ovelhas e enganam 300 policiais’

O pessoal não leu as notícias do Mundo Bizarro, acima. Ou não se arriscaria.

 

O grande título

A concorrência é grande. Começa pelos fatos esquisitos:

** ‘Cidadezinha no Tennessee elege prefeito que já morreu’

Passa pelos alertas esquisitos:

** ‘Grávidas, idosos e bêbados devem evitar TV 3D, alerta Samsung’

Chega aos títulos enigmáticos:

** ‘Reforço assina com Palmeiras até 2011 e já participa de treino’

Em nenhum instante, nem no título nem nos subtítulos, consta o nome do reforço.

Mas nada pode vencer este título notável:

** ‘Cantor não sabia que era gay, diz ex-namorada após separação’

E, provavelmente, nem ela. Se bem que devia estranhar ele nunca ter tentado.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação