Todos os principais jornais noticiam hoje a iniciativa do Ministério Público Federal de São Paulo para obrigar o Google, dono do Orkut, a cumprir decisões judiciais brasileiras. Os procuradores querem da empresa uma indenização de R$ 130 milhões e multa diária de R$ 7,6 milhões pelo descumprimento.
O Google se recusa a fornecer os dados de internautas que usam o Orkut para divulgar material criminoso – racismo, pedofilia, incitação a assassiníos, intolerância religiosa, maus-tratos a animais. Só este ano a ONG Safenet Brasil recebeu 100 mil denúncias de delitos cibernéticos em perfis e comunidades hospedados pelo Orkut.
Para se avaliar a dimensão do problema, é essencial a leitura da coluna da comentarista política Rosângela Bittar, no Valor de hoje, transcrita a seguir. Tem por título ‘A internet contra os direitos humanos’.
‘Em pleno período eleitoral, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT) interrompeu sua campanha, em São Paulo, no início deste mês, para levar ao protocolo da Embaixada Americana, em Brasília, um ofício às autoridades daquele país com pedido de ajuda para enfrentar um obstáculo que vem tentando transpor, sem sucesso, nos últimos cinco meses, como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. O de sensibilizar a empresa americana Google Inc. a colaborar com a comissão e com as autoridades brasileiras para combater os crimes cibernéticos (pedofilia, racismo, terrorismo, tráfico de armas, nazismo, tráfico de drogas, tráfico de mulheres, incitação ao crime contra negros, índios e homossexuais, entre outros) que, mais do que a qualquer outra sociedade, atinge os brasileiros.
Os números são todos eloqüentes, mas os da pedofilia são dolorosamente assustadores. No Brasil, abrem-se mil novos sites de pedofilia por mês. Um estudo desses sites apontou uma realidade absolutamente inaceitável: 52% tratam de crimes contra crianças de 9 a 13 anos, e 12% dos sites de pedofilia expõem crimes contra bebês de zero a três meses de idade, com fotografias. Ainda do levantamento sobre este crime, os estudos apontam que 76% dos pedófilos estão no Brasil.
Foi também no Brasil que o site de relacionamento da Google, o Orkut, deu mais certo entre todos os países do mundo. Cerca de 75% do Orkut são formados por brasileiros. Desde sua entrada em operação, em 2004, o Orkut tem sido local preferencial de cometimento de crimes contra os direitos humanos por brasileiros.
Segundo a organização não governamental SaferNet, em seu relatório sobre o Brasil encaminhado a Greenhalgh, entre 30 de janeiro e 5 de agosto de 2006, ou seja, no primeiro semestre deste ano, foram feitas 88.894 denúncias anônimas através da Internet, e 42,20% estão relacionadas à pornografia infantil e à pedofilia.
Estas denúncias foram consolidadas em um notícia-crime, fundamentada pelo Grupo de Combate a Crimes Cibernéticos do Ministério Público de São Paulo, nos casos que se relacionam a este estado, e para a Divisão de Direitos Humanos da PF, em Brasília, quando envolve os demais Estados.
As dificuldades para o início de combate a estes crimes estão no fato de que as leis brasileiras não têm alcance extra-territorial, e a Google está regida pelas leis americanas. Na sua luta para estabelecer, por intermédio da Comissão de Direitos Humanos, algum tipo de acordo de cooperação com a Google, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh passou agora, então, a apelar ao Congresso americano.
A Google vem descumprindo ordens judiciais para fornecer a identidade dos que violam os direitos humanos no site de relacionamento Orkut, e não passa também informações necessárias à investigação dos envolvidos com a divulgação da pornografia infantil. A atitude da empresa, no momento, em sua disputa judicial com o Ministério Público de São Paulo, é uma repetição da resistência que vinha apresentando no diálogo com as autoridades em Brasília.
Ao longo dos últimos cinco meses, Greenhalgh promoveu audiências públicas e reuniões, na Câmara, com entidades governamentais e não governamentais, uma delas com a presença do diretor jurídico da Google/USA, David Drummond, e outra com uma representante da empresa, Nicole Wong. Drummond justificou o não cumprimento de ordens judiciais, afirmando que os dados estão armazenados nos Estados Unidos, razão pela qual a empresa tem que cumprir a legislação americana que protege o sigilo das comunicações, mesmo em casos graves de violação dos direitos humanos. Nicole Wong, na reunião em que representou a empresa, comprometeu-se a colaborar com equipe treinada para identificar sites criminosos nas comunidades e páginas de Orkut, mas sequer sabia que a pedofilia é crime também nos Estados Unidos e a parceria até hoje não se estabeleceu.
No ofício entregue dia 3 último à Embaixada, Greenhalgh apela aos membros do subcomitê de supervisão e pesquisa da Comissão de Energia e Comércio da Casa de Representantes da América, instância do congresso americano que trata a questão da segurança na internet para as crianças, para que ajudem no estabelecimento de um acordo.
Ontem houve um reforço ao pedido: o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh fez chegar à Embaixada Americana um anexo a este ofício, com um dossiê sobre os crimes, preparado pela SaferNet Brasil. ‘O mecanismo de denúncias do próprio Orkut é ineficiente, sendo que as denúncias reportadas pelos usuários levam dias e às vezes meses para serem removidas do servidor, tempo suficiente para que as imagens sejam copiadas indefinidas vezes, causando dano irreparável à sociedade. Não se pode negar, entretanto, que o sistema de denúncias do orkut é um meio suficiente e bastante para dar ciência à empresa das práticas criminosas perpetradas através de sua estrutura, uma vez que a própria empresa criou e recomenda que os usuários utilizem esse sistema para fazer suas denúncias’, diz o relatório enviado ontem aos Estados Unidos.
Este é o cerne da questão. Segundo Greenhalgh, apesar dos esforços da comissão, ainda não houve avanços na repressão aos criminosos. A cooperação viabilizaria a retirada de sites com conteúdo criminoso, tornando possível também o fornecimento de dados que identifiquem os infratores. Minuta desse acordo já foi enviada à empresa, com uma proposta que, para o deputado, permite a ela apoiar as iniciativas da Polícia Federal, Ministério Público, Poder Judiciário, Poder Legislativo, sem ferir as leis americanas.
Luiz Eduardo Greenhalgh está também tratando, paralelamente, de organizar a legislação brasileira sobre o assunto. São 22 projetos de lei, que tramitam no Congresso Nacional, sobre crimes na internet, a que ele pretende dar um texto único: ‘Decidi dar total prioridade a isto. Se conseguir fazer o acordo com a Google e um projeto de lei abrangente, valeu minha passagem pela Comissão de Direitos Humanos’.
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