Do balanço da nova edição e do qüinqüênio do Fórum Social Mundial sobra uma pergunta inconfortável: além da animação e da festa, além da retórica, da indignação e do entusiasmo, o que sobrou de concreto? Quantos projetos foram encaminhados, quantos debates converteram-se em iniciativas e, destas, quantas produziram resultados?
Dirão que fórum não é incubadeira de ações; fórum seria, antes de tudo, um instrumento para conscientizar e mobilizar a cidadania, sobretudo a mais jovem, cuja energia está sendo desperdiçada pela falta de oportunidades de trabalho.
Tudo bem. Mesmo restrito ao papel de megaconvescote político, o FSM resigna-se à condição de papel carbono dos Festivais e Congressos da Paz dos anos 1950, orquestrados pelo PCUS contra o ‘imperialismo ianque’. A diferença resida talvez na rigidez do monolitismo político. O anterior era absoluto, agora permitem-se tênues flexibilizações que não chegam a materializar diálogos abrangentes e pontes entre oponentes.
O charme da hora
Acontece que os tempos são outros, a Guerra Fria tinha outro timing, o espectro da catástrofe mundial era controlado por apenas dois adversários que a usavam com prudência, quase em parceria. O confronto despolarizou-se, criou filhotes (alguns ainda mais tenebrosos, caso do terrorismo), a pressão por soluções saiu da esfera puramente militar e espraiou-se pela economia, saúde pública, meio ambiente.
Os inimigos antes estavam confortavelmente instalados no Kremlin ou na Casa Branca, hoje estão nos quatro cantos do mundo – cavernas, florestas, savanas e montanhas. Grandes e pequenos, com ou sem armamento nuclear. Tudo hoje tem proporções de bombas atômicas – a Aids, o narcotráfico, a miséria, a falta de água, a corrupção, as mudanças climáticas.
Estamos diante de uma situação em que palavras de ordem, discurseira e marketing de massa tornaram-se eles mesmos o perigo.
O FSM, enquanto palanque, não conseguiu perceber que o palanquismo é o adversário a ser combatido. Nele está o perigo.Em Porto Alegre não se enxergaram as mudanças atmosféricas que ocorreram ali mesmo. O FSM está aferrado a uma pauta já ultrapassada, obsoleta. Não há mais tempo para tanta falação. Entre um festival e outro, pode selar-se o destino de uma geração inteira.
Meia década transcorrida e os pauteiros da nova ordem mundial não se deram conta que eles são o assunto. Sua própria inação, envelhecimento e estagnação converteram-se no principal problema. De José Bové a Hugo Chávez mudaram apenas os chapéus. E os estereótipos.
Os militantes franceses perderam o charme para os militantes bolivarianos, que em 2006 poderão ser substituídos por militantes-místicos chineses. Ninguém ousou acionar os alarmes contra este tipo de militância mundana, falsamente revolucionária.
Faz-de-conta
No campo da mídia – estratégico, para promover nova civilização, novos valores e nova agenda – nada foi realizado ao longo deste lustro. E a mídia é um dos únicos setores nas sociedades democráticas que pode ser alterado decisivamente de baixo para cima. Basta não ler o lixo, boicotar a baixaria televisiva, lançar veículos alternativos, promover o ceticismo ou pressionar governantes a mudar estatutos para que, num curtíssimo lapso de tempo, venham a se criar as condições para mudanças substantivas.
Algumas centenas de jornalistas, profissionais de redação, estiveram presentes aos FSM, mas, pergunta-se, quantos efetivos gatekeepers – aqueles que decidem o que vai ser lido amanhã – foram convidados a participar de uma reflexão verdadeira e franca sobre o papel da imprensa neste cipoal de perplexidades em que se converteu o mundo? Ao invés de se encarar as incertezas preferiu-se brincar com falsas certezas.
A única proposta que conseguiu materializar-se em todos estes anos foi a do Observatório Mundial da Mídia que, além de clonada, nasceu engessada pelo partidarismo. É pouco, quase um vexame.
O mais curioso é que tanto o Fórum Social Mundial de Porto Alegre como o Fórum Econômico Mundial de Davos são claras demonstrações da falência da mídia como provocadora de novos olhares. A mídia abdicou de ser fórum e os fóruns festivos abdicaram de tratar da mídia.
O evento de Davos, pela sua natureza e parentescos, está naturalmente impedido de tocar nos problemas cruciais da sociedade contemporânea – a mídia é um dos principais –, mas o seu rival de Porto Alegre estava livre e desembaraçado para encarar a mídia como deve ser encarada.
Nos Alpes os grandes do mundo atrapalharam-se com os seus intrincados compromissos. Nos pampas, a garotada atrapalhou-se com o faz-de-conta.