‘Certamente não deve ter sido a primeira e nem será a última reprise do programa, mas a reapresentação, na quinta-feira, dia 18 de março, do Especial Cultura sobre Elis Regina foi um presente para o telespectador. Não apenas pelo espetacular conteúdo musical, mas também por revelar uma Elis triste e arisca, oscilando entre enormes gargalhadas e choros contidos, às vezes agressiva diante de certas perguntas e com um discurso ‘contra o sistema’ cuja falta de sofisticação e de originalidade pode ter surpreendido alguns fãs da intérprete genial e espetacular que ela foi. Foram muitas as frases como ‘já não se fazem pessoas como antigamente’, ‘gosto de pessoas que têm o péssimo defeito de dizerem o que pensam’ e ‘não tenho mais idade pra sair de pessoa para pessoa pra dizer que o negócio não é bem assim’.
Como foi dito aqui na primeira análise deste programa, um ano atrás – análise que eu passo a transcrever – mais do que nos trazer de volta momentos reveladores da personalidade de Elis Regina e o forte contraste entre a estrela brilhante e a mulher sofrida, esse Especial Cultura mostrou que certos formatos do passado poderiam ser retomados. Os trechos exibidos do programa Vox Populi gravado com Elis nos anos 70 são uma prova de que é possível fazer uma entrevista que, além de inteligente, abrangente e respeitosa, contenha todas – ou quase todas – as perguntas indigestas ou delicadas que devem ser feitas aos entrevistados.
Apesar da cenografia algo esquisita para os padrões de hoje – um entrevistador de óculos escuros, diante de monitores com a imagem da entrevistada no switcher da emissora – Elis foi colocada diante de questões polêmicas através de perguntas feitas por gente da rua, jornalistas e artistas. Por conta desse formato, ela revelou, sem retoques, suas desavenças com outros músicos, seus desafetos e, por exemplo, a opinião devastadora que tinha sobre os musicais de TV da época.
Isso tudo sem que o programa deixasse de ter, também, ao lado de algumas interpretações históricas da cantora, momentos hilariantes. Um deles foi a interminável gargalhada de Elis diante da mulher que, entrevistada na rua, quis saber se os dentes dela eram verdadeiros ou se ela usava dentadura. Quem, no estúdio, teria coragem de fazer uma pergunta dessas à cantora? O espírito livre e eclético do Vox Populi continua sendo, por essa e por outras, uma referência e uma inspiração para quem quiser criar conteúdos de qualidade para televisão.
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Pesquisa de audiência (17/3/10)
Transcrevo, sem identificar os autores e sem necessariamente concordar com eles, muito pelo contrário, trechos de três emails que considero exemplos do desafio diário que os responsáveis pela programação da TV Cultura têm de enfrentar.
Radicalmente diferentes, as três manifestações, concordemos ou não com elas, suscitam algumas perguntas importantes cujas respostas – se elas existirem nos arquivos e planilhas dos que pesquisam a audiência da emissora – poderiam ser compartilhadas com este ombudsman e com os telespectadores que ele tenta representar.
Algumas das perguntas: qual o grau de representatividade desse tipo de público no conjunto da audiência da emissora? O que se sabe sobre o tempo que essas categorias de telespectador passam diante de uma televisão e, consequentemente, o respectivo peso de cada grupo nas decisões relacionadas à programação da emissora? Como interpretar e quantificar o silêncio do contingente de telespectadores que discordam dessas três visões?
Saber – ou pelo menos intuir – as respostas para essas e outras questões sugeridas pelos telespectadores pode ser boa parte do caminho através do qual a TV Cultura poderia cumprir, de forma cada vez mais socialmente relevante, sua missão como emissora pública.
O primeiro email é de uma telespectadora de Teresópolis (RJ):
‘Resolvi fazer a critica que a tempos desejo. Vejo com freqüência – e adoro – os programas Invenção do Contemporâneo e Café Filosófico – mais este que aquele, em função do horário. Até mesmo agora só com reprises eu não perco nenhuma edição. Só que os dois programas pecam, e muito!!!!, com o excesso de edição.
Não vejo necessidade alguma de tantos cortes nas falas dos debatedores-convidados. Muitas vezes fico sem compreender plenamente o que o palestrante quis dizer. As ideias ficam soltas, descontextualizadas, incompletas para quem está em casa assitindo. E por que tantas leituras (interferências) da apresentadora ao longo dos programas?
Se a idéia da produção é ‘enriquecer’ o tema do programa e o que está sendo dito pelos convidados, essas interferências não podem, a meu ver, sobrepujar em tempo e qualidade os conceitos e idéias que estão sendo propostas. Não raro, essas ‘leituras didáticas complementares’ tornam os programas muito chatos, mesmo que nos debates estejam pessoas do calibre de Viviane Mosé, Luis Felipe Ponde e Roberto Da Matta, entre outros tantos convidados excepcionais.
Que tal uma ‘reengenharia’ nesses programas para 2010? São programas de raríssimas boas qualidades no panorama da TV brasileira, e, portanto, merecem estar no ar nos oferecendo conteúdos ricos e plurais’.
O segundo email é de um telespectador de São José dos Campos (SP):
‘Não aguento mais assistir estes programas sobre índios, quilombos, sertão nordestino e coisas do gênero. A TV Cultura existe graças aos impostos pagos pela população paulista, e não vemos nada sobre o interior de São Paulo.’
O terceiro email é de um telespectador de Mauá (SP):
‘Assisto o programa Cartão Verde todas as quintas. Mas confesso que em determinadas ocasiões da vontade de mudar de canal ou ir dormir. No caso da última quinta, 11 de março, por exemplo, ficou se arrastando uma filosofia barata que liga o nada ao lugar nenhum, deixando a essência do negócio que são os lances, os gols das partidas em terceiro ou quarto plano. E o que é pior: ouvir o Sr. Sócrates (…) dizer que é viciado em mulher, como se fosse um objeto qualquer de consumo, fi o fim da picada. Isso é cultura? (…) Fica difícil prestigiar essa emissora que tanto gostamos’.’