Quem vai pagar? O BNDES, maior banco de desenvolvimento do mundo, vai financiar 80% das obras da hidrelétrica de Belo Monte (PA), de custo ainda desconhecido, com taxas de juros de 4% ao ano. Segundo o governo, a usina custará no máximo R$ 19 bilhões. Empresários privados falam em até R$ 30 bilhões. Em qualquer caso, serão empréstimos enormes com juros subsidiados. O subsídio só poderá sair do Tesouro, isto é, do bolso dos contribuintes.
O BNDES também financiará, em condições ainda não divulgadas até sábado (17/4), a expansão do sistema de banda larga. Quantos outros programas prioritários terão recursos fornecidos pelo banco? De onde sairá o dinheiro, qual será a parcela subvencionada e como isso afetará as contas federais e a dívida pública – interna e externa – nos próximos, digamos, cinco anos?
Os jornais poderiam animar a discussão econômica e política, nas próximas semanas, se tentassem montar um quadro amplo de como o governo está assumindo, ou prometendo assumir, compromissos financeiros de longo prazo.
No ano passado foram transferidos R$ 100 bilhões do Tesouro para o BNDES. Para este ano foi anunciado um repasse de R$ 80 bilhões. Ninguém sabe direito como se expandirá a participação do Tesouro nos financiamentos de programas classificados como prioritários. O BNDES já está envolvido em operações de formação de grandes grupos empresariais, uma de suas prioridades anunciadas nos últimos anos. Mas essas compras e fusões – ‘consolidações’, na linguagem moderna – são operações típicas de grandes empresas, normalmente capazes de obter dinheiro no mercado internacional. Tem sentido o banco oficial participar desses negócios?
Escala de prioridades
O BNDES apareceu várias vezes nas seções de Economia, nos últimos dias, por causa de seu envolvimento nos projetos de Belo Monte e da expansão da banda larga. A discussão foi enriquecida por alguns artigos e vale a pena mencionar dois textos publicados no Estado de S.Paulo: a coluna de Celso Ming no sábado (17/4), sobre o esquema financeiro da usina, e o do economista Rogério Werneck, colaborador, editado na sexta-feira (16). No Valor, Claudia Safatle mostrou, numa boa matéria, como as contas federais estão sendo sobrecarregadas de compromissos e as preocupações do ministro Paulo Bernardo diante a irresponsabilidade financeira dos parlamentares.
A disputa sobre o reajuste dos aposentados com pensões superiores a um salário mínimo é apenas um dos aspectos mais visíveis desse problema. Os ministros da Fazenda e do Planejamento têm defendido um aumento de 6,14%. O presidente Lula aceitou negociar 7%. Aliados do governo acertaram, entre eles, 7,71%. Ao mesmo tempo, tramitam no Congresso numerosos projetos de criação de despesas, muitos deles de autoria de parlamentares da base. Se apenas uma parte desses projetos for aprovada, o Orçamento será arrebentado, como já mostraram algumas boas matérias (novamente, aqui, com especial contribuição do Valor).
A discussão não se resolve com o exame dos méritos particulares de cada projeto. É importante dar mais dinheiro aos aposentados? Tudo bem, então de onde virá o dinheiro e quais projetos serão eliminados em benefício desse? No Congresso brasileiro, esse tipo de raciocínio é raríssimo e raramente eficaz para moldar comportamentos. Escalas de prioridades e considerações sobre a escassez de recursos não aparecem nas discussões. Isso torna especialmente necessário o acompanhamento dos projetos pela imprensa, mas os jornais têm feito muito menos do que o necessário. Quando entram nesse campo, acabam mostrando cenas assustadoras.
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Direto no ponto
A Securities and Exchange Comission (SEC), supervisora do mercado de capitais dos Estados Unidos, acusou de fraude o banco de investimentos Goldman Sachs. Foi uma das grandes notícias financeiras da semana. O banco, um dos gigantes de Wall Street, passou bem pela crise, enquanto outros quebraram ou foram salvos com dinheiro público, e ainda teve bons lucros em 2009. A acusação de malandragem apareceu primeiro no New York Times, antes de ser conhecida a acusação oficial.
Segundo a história agora divulgada, o banco propôs a seus clientes ‘comuns’ uma operação com papeis derivados das hipotecas subprime. O esquema foi proposto por um megainvestidor chamado John Paulson. Ele teria previsto o estouro da bolha imobiliária e imaginado a jogada: o banco lançaria o novo produto à clientela geral e uns poucos investidores apostariam contra.
Todos os grandes jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo contaram a história, com níveis diferentes de detalhes e com títulos mais ou menos previsíveis. Vale a pena destacar o subtítulo da Folha de S.Paulo, o único a indicar diretamente o miolo da história: ‘Banco é suspeito de vender a investidores papel que foi criado para fracassar’. É estimulante encontrar de vez em quando um título ou subtítulo feito à moda antiga, quando os jornais disputavam leitores despertando seu apetite pela notícia. Muitas manchetes de hoje provocam bocejo.