Nos principais jornais de hoje, a cobertura por saturação da degola de Roberto Jefferson e do apropriadamente chamado “cheque-mate” em Severino Cavalcanti, além da especiosa decisão do presidente do Supremo, Nelson Jobim, de mandar parar o processo de cassação de seis deputados petistas – e (ufa!) do depoimento do ex-ministro Luiz Gushiken na CPI dos Correios – quase não deixou espaço para matérias que escapassem do noticiário ostensivo e descritivo.
Mas é nessas horas que uma sacada original faz toda a diferença. Já devo ter registrado neste Verbo Solto a preocupação do Valor – um diário cuja principal área de interesse, como se sabe, é a economia – em não limitar as suas reportagens políticas ao que todo mundo está vendo e tem mais páginas para se espalhar.
Pois hoje o jornal dá um exemplo de primeira do que é olhar para o lado em que ninguém está prestando atenção e nem por isso é desimportante.
A dupla de área da editoria política, Raymundo Costa e Cristiano Romero, garimpou junto ao pemedebista Renan Calheiros, presidente do Senado e aliado de Lula, entre outras fontes, que o vice José Alencar, recém-saído do PL de Valdemar Boy da Costa Neto, não só deve migrar para o PMDB, ao qual já pertenceu, mas pensa se candidatar em 2006 ao lugar de Lula.
Pior: já deu a entender isso ao próprio. “A franqueza do vice-presidente teria provocado, segundo assessores do presidente, um mal-estar entre os dois”, informam Raymundo e Cristiano.
Não é para menos. Em 2002, para contrariedade de muitos petistas, Lula fincou pé na idéia de ter como companheiro de chapa o dono da maior empresa têxtil da América Latina, a Coteminas, e o convenceu pessoalmente a aliar-se a ele.
Domingo passado, Alencar apareceu na Folha dizendo que está preparado para subir a rampa, em caso de impeachment, desancou o PT e, como sempre, a política de juros. Só isso deve ter embrulhado o estômago de Lula.
É verdade que Alencar jurou que não mexeria uma palha para tirá-lo do Planalto. Mas só o fato de afirmar que, se for preciso, deixa que ele chuta dá idéia do que o “predestinado” (como se lê no perfil que mandou escrever quando se elegeu senador) anda caraminholando.
Concorrência predatória
A Folha deu o que ele falou. O Valor dá o que fez: jantou com o presidente do PMDB, Michel Temer, deixou na mesa a intenção de ir para o partido dele, e foi levar a má nova para Lula.
Querer, sabe Alencar, não é poder. Mas o seu imenso poder econômico – ele gastou os tubos para se tornar senador – pode fazer milagres num partido como o PMDB.
Dá vontade de dizer que, se ele for às vias de fato numa prévia com os presidenciáveis da sigla, menos ou mais assumidos – o fluminense Anthony Garotinho, o pernambucano Jarbas Vasconcelos e os gaúchos Germano Rigotto e Nelson Jobim – será um caso de concorrência predatória, digno de intervenção do Cade, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Claro que é mais complicado do que isso. Primeiro, porque política tem fila. Segundo, porque o PMDB mineiro não é propriamente um terreno vago: nele, figuraças como o Newtão (o ex-governador Newton Cardoso) e o doutor Itamar (ex-muita coisa) já fincaram as estacas que delimitam os seus amplos espaços.
Por via das dúvidas, o pessoal do presidente já saiu batendo no vice. Acusam-no de desleal e irrelevante.
“Quando Alencar não tinha nenhuma atribuição no governo, Lula o nomeou ministro da Defesa”, alguém lembrou aos repórteres do Valor. “No início da crise política, incorporou-o às reuniões de coordenação no Palácio do Planalto.”
O mesmo alguém, ou outro, soprou ao Valor esta maldade devastadora: “Ninguém dá bola para ele. Quando o Zé Alencar chega para uma reunião, todo mundo sabe que, na verdade, a reunião já acabou.”
Dependendo de como fica a crise depois de Jefferson e de Severino, essa história ainda pode render. Dias atrás, também no Valor, vinha a informação de que Lula se deu até o fim do ano para resolver se disputará o segundo mandato. De turrão, é capaz de jogar as dúvidas ao lixo só para não dar mole ao vice de quem ele tanto gostava.
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