O ombudsman da Folha de S. Paulo, Marcelo Beraba, escreve hoje (20/8): “É evidente o despreparo dos meios jornalísticos para tratar de questões complexas como política de segurança. Não estamos mais disputando quem chega primeiro ao local do crime, mas estamos desafiados a entender e a avaliar as políticas públicas. Sem conhecer política de segurança fica difícil questionar os governos e os políticos. Sem conhecer os procedimentos que deveriam orientar a ação das polícias fica difícil questioná-las”.
Na mesma edição, caderno Cotidiano, é entrevistado o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho. Diz, sem sofrer qualquer reparo ou observação: “Só agora comecei a ser ouvido”. Saulo refere-se à sociedade civil, na interpretação do repórter, mas isso só pode ocorrer por intermédio da mídia. Na Folha de S. Paulo, a progressão da ocorrência do nome do secretário, desde que era presidente da Febem, vai num crescendo de 30 citações em 2001 para 227 nos oito primeiros meses de 2006.
Não há na reportagem a mais pálida sombra de questionamento das premissas, dos métodos e do comportamento da Polícia chefiada há 55 meses por Saulo de Castro. Não há correlação com o contexto social. Ao lado do texto da entrevista são apresentados sob o título “Reação” e os subtítulos “Inteligência”, “Policiamento”, “Equipamentos”, “Gestão penitenciária” e “Justiça” itens que supostamente aumentam a eficácia da atividade policial. Um tem pouco a ver com o outro. É uma espécie de feira de procedimentos. Só forma um todo se o leitor entrar na conversa genérica do entrevistado.
Uma visão crítica não seria tão difícil. Leia-se o seguinte trecho da reportagem de capa da Carta Capital (que, é preciso dizer, volta ao tema com mal disfarçado intuito eleitoral):
“ [Em 2002] Saulo de Castro era o novo Secretário de Segurança Pública e, entre outras novidades que impôs, condicionou operações das polícias à sua autorização pessoal. Em uma conversa frente a frente, Saulo defendia a manutenção de Geleião no Rio, Furukawa preferia trazê-lo a São Paulo. Saulo, então, convocou cinco integrantes da polícia para o gabinete, todos seus aliados, e explicou o impasse. Expôs seu ponto de vista, deixou Furukawa expor o seu e propôs uma votação. Deu 7 a 1. Geleião continuou em Bangu. No dia marcado, como o secretário de Administração Penitenciária havia alertado, 14 detentos foram assassinados dentro de presídios paulistas”.
De volta à Folha de S. Paulo. Menos precária, em matéria de discussão da segurança pública, é a reportagem da página seguinte do Cotidiano, “Analistas indicam 15 idéias contra o crime”. Mas essa idéia de que se trata de examinar “idéias” não é boa idéia. Melhor seria discutir uma política de segurança pública. Os jornais não conseguem.
O Estado de S. Paulo saiu-se menos mal na sexta-feira, com um caderno de debates do dominical Aliás sobre o tema. Mas há ausências notáveis também nesse caderno, entre elas, clamorosa, a de alguma autoridade policial. É como se o jornal desse a entender que não adianta chamar a Polícia. Ou como se quisesse poupar o governo paulista em período eleitoral.
A politização do assunto é quase histérica, como diz à Folha o próprio Saulo de Castro.
Vozes esquecidas
Na mesma edição da Carta Capital, entretanto, encontra-se uma voz que questiona tanto a Polícia como a mídia. É a do escritor Ferrez, entrevistado por Pedro Alexandre Sanches. Trechos:
“Repórter não conhece ninguém de periferia. Então vê que o escritor Ferrez é do Capão, ´não consigo falar com o Mano Brown, vou falar com ele mesmo´. Liga para mim, e aí é tudo eu. Se eu deixasse, se fosse responder a todas as matérias, eu já era porta-voz do PCC. E não tenho nada a ver com criminalidade, não conheço ninguém do PCC”.
“Eles põem o zé-povinho na tevê falando (faz voz caricatural) ´o meu filho não vai mais estudar´, ´ai, estou com medo de sair de casa´, como se o PCC fosse explodir uma doméstica na rua. Minha mãe falou: ´Mas estão explodindo só posto de gasolina, concessionária, de que essa mulher está com medo?´ Fica esse pânico, e a mídia é ligeira, joga o ódio para nós. Mas a gente representa um povo da periferia, não representa uma facção, nem a polícia”.
O repórter diz que Ferrez questiona a mídia também na questão das cotas raciais: “Fui usado até nisso. As rádios me ligavam, toda hora eu dava entrevista e dizia ´sou contra as cotas raciais porque acho isso e isso´. E vi que os caras mais boçais gostavam, pensei ´c[…], se eles estão gostando alguma coisa errada eu estou falando´”.
Marcelo Beraba ainda precisará dedicar várias colunas à cobertura da segurança pública antes de enxergar luz no fim do túnel.
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Entrevistas marotinhas
Difícil entender o que faz o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, nas páginas amarelas da Veja desta semana. O que a revista já escreveu sobre o ministro… A entrevista é no estilo “levantar a bola”. Bastos jura que não teve nada com a perseguição ao caseiro Francenildo Costa. Acredite quem quiser.
Outro entrevistado que já foi mais ilustre é o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. O veículo é incomparavelmente menos popular: IstoÉ Dinheiro. Mas quem sabe um dia Palocci volta à Veja?
Entrevista também feita para levantar a bola. Palocci aparece como santo, humilde, etc. Não dá para levar a sério a contrição. Mas suas propostas estão corretas. Principalmente a idéia de que o vencedor em outubro (leia-se, na previsão do agora candidato a deputado federal: Lula) deve ser “generoso”. É mais do que isso: se não houver boa oposição e diálogo do governo com ela, o país perde. Por exemplo, se a senadora Heloísa Helena for a chefe da oposição, como prevê Thomas Traumann na Época, o nível do diálogo piora. Heloísa Helena sem campanha eleitoral é pauleira pura.
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Cascione, o defensor do coronel Ubiratan
O deputado federal Vicente Cascione (PTB-SP) apresenta-se no horário eleitoral como ‘o advogado que defendeu o coronel Ubiratan Guimarães’. O coronel Ubiratan, deputado estadual em São Paulo(PTB), foi, como se sabe, o comandante da tropa da Polícia Militar que invadiu o presídio do Carandiru em 1992. Houve oficialmente 111 mortos. O coronel, na eleição de 1994, acenou para o eleitorado sanguinário candidatando-se com a terminação 111 (o partido era o PSD, número 41; logo, o número eleitoral do coronel era 41.111). Foi eleito suplente, desempenho repetido em 1998. Em 2002, já estava no PPB, hoje PP, que era (e é) o partido de Paulo Maluf. Dessa vez foi eleito. Hoje o número 11.111 está com Maluf, candidato a deputado federal.
Cascione é candidato à reeleição pelo PTB. Seus colegas de bancada paulista do partido na Câmara dos Deputados são: Arnaldo Faria de Sá, Ary Kara, Edna Macedo (irmã do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, acusada de envolvimento com a máfia das ambulâncias), Fleury (secretário de Segurança Pública de Orestes Quércia, candidato com a bandeira da pena de morte, governador à época do Massacre de Carandiru), Jefferson Campos (acusado de envolvimento com a máfia das ambulâncias), Nelson Marquezelli, Neuton Lima (acusado de envolvimento com a máfia das ambulâncias) e Ricardo Izar (presidente do Conselho de Ética da Câmara, ex-auxiliar de Paulo Maluf na Prefeitura de São Paulo).
O PTB faz parte da coligação de José Serra, candidato do PSDB ao governo de São Paulo.
Os deputados federais e estaduais paulistas da bancada da bala fizeram parte da coligação que elegeu Geraldo Alckmin governador em 2002.
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Prisões superlotadas. Na Califórnia
Deu na The Economist, edição de 10/8: Há 172 mil presos em 33 prisões estaduais da Califórnia e 12 ‘instalações correcionais comunitárias’. Essas 52 unidades têm vagas para apenas 90 mil. Crescem o uso de drogas e a incidência de doenças como HIV e hepatite C. Gangues divididas por raças criam uma ameaça constante de violência, motins e mesmo assassinatos. Mais de 16 mil presos dormem em ginásios e salas de aulas de instituições penais, o que torna virtualmente inexistentes os programas de reabilitação. Isso explica por que dois terços dos condenados estão de volta à cadeia em até três anos após serem libertados, a mais alta taxa do país.
O governador Arnold Schwarzenegger disse: ‘O sistema prisional desaba diante de nossos olhos’. E pediu uma verba adicional de US$ 5,8 bilhões para injetar na administração penitenciária. Segundo a revista, só dinheiro não resolve, porque a Califórnia ‘põe delinqüentes [offenders] demais na cadeia’. A taxa de encarceramento aumentou oito vezes desde 1970.
O segundo problema é que ‘qualquer tentativa de reformar a política penal da Califórnia torna-se refém da política’. Dois anos atrás, o governador estava exultante por ter acrescentado a palavra ‘reabilitação’ ao departamento de punição (correction), nomeado Rod Hickman, um ex-guarda prisional com mentalidade reformista, para supervisionar o sistema, e por ter prometido reduzir o poder do sindicato dos guardas prisionais (31 mil filiados), entre outras coisas mediante a ruptura do ‘código de silêncio’ que protegia guardas corruptos ou violentos.
Hickman pediu demissão e sua sucessora, Jeanne Woodford, também. Schwarzenegger deu para trás. A previsão da The Economist é sombria: ‘Calcula-se que a população prisional terá um acréscimo de 21 mil pessoas nos próximos cinco anos – o bastante para detonar qualquer programa de construção de novas unidades’.
Em São Paulo, o governador Claudio Lembo pede verbas para construir mais vinte presídios.
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