As primeiras discussões sobre o formato, as funções e a composição do Conselho de Comunicação Estadual na Bahia já dão sinais das dificuldades a serem enfrentadas para que o projeto seja efetivado. Governo, sociedade civil e empresários debatem o documento a ser enviado pelo Executivo à Assembléia Legislativa desde janeiro, num Grupo de Trabalho (GT) criado pelo governador Jaques Wagner (PT) na etapa local da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). As discussões emperraram quando o tema passou a ser a composição do conselho. O impasse, criado pelo empresariado, coloca na berlinda inclusive o acordo já alcançado em relação às funções do órgão.
Após uma primeira fase de estudos sobre o papel dos conselhos a partir de experiências nacionais, o GT iniciou o debate das finalidades com avanços significativos, em especial na predisposição de todos os setores por dar caráter deliberativo ao órgão. Porém, em relação à composição, os empresários exigem a divisão paritária entre os setores – um terço para o empresariado, um terço para o setor público e um terço para representantes de outros setores sociais.
Na quarta-feira (28/4), às 14 horas, os três setores apresentarão suas posições em uma reunião aberta na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, que funcionará como consulta pública.
A previsão inicial era que o GT fechasse a proposta no fim de abril, mas o Executivo estadual dá sinais de adiamento do prazo. O governo não tem apresentado muitas sugestões ou demandas, mas, até agora, as posições colocadas à mesa foram de convergência com os empresários em relação ao enxugamento das atribuições do Conselho.
Composição
A proposta em discussão sobre a composição do GT também prevê uma estrutura enxuta. Até o momento, prevê-se que o número de membros deva ficar entre 21 e 25, número pequeno em comparação a outros conselhos.
Já em relação à divisão das vagas, a polêmica está instaurada. Os empresários almejam garantir um terço das cadeiras, sob justificativa de que o poder econômico deve ser enaltecido no Conselho. A premissa à qual o setor empresarial tem recorrido é a metodologia usada na 1ª Confecom. Na conferência nacional, a ‘sociedade civil empresarial’ teve direito a 40% dos delegados, número idêntico ao da ‘sociedade civil não empresarial’. Além disso, houve a instituição do direito ao ‘voto sensível’, a possibilidade de um dos setores exigir quórum qualificados nas votações.
Além disso, os empresários defendem ainda que a universidade e os produtores de comunicação comunitária devem ser colocados na cota na sociedade civil.
No geral, as entidades originárias da Comissão Pró Conferência da Bahia tentam se fortalecer na estrutura de conselhos de outras áreas, como a saúde e a educação, para tentar evitar este formato de divisão (saiba mais). Sivaldo Pereira, membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e suplente do GT, lembra ainda que, conceitualmente, entes privados não podem participar de deliberações públicas, porém frente a conjuntura é inevitável a participação do setor empresarial.
Finalidades
Embora ameaçada pelas negociações sobre a composição, há alguma convergência em relação ao caráter e às finalidades do Conselho Estadual de Comunicação. Até o momento, a sinalização dos empresários é apoiar o caráter deliberativo do conselho e a ida do projeto à Assembléia Legislativa. Quanto às finalidades e competências, há acordo sobre a tarefa de traçar um Plano Estadual de Comunicação. ‘Certamente as pautas da conferência (estadual) deveriam estar nesse conselho, para que se veja até que ponto as demandas da sociedade civil são implementadas pelo Estado’, enfatiza Daniella Rocha, integrante da Cipó Comunicação e uma das representantes da sociedade civil no GT.
Por outro lado, segundo ela, há uma grande polêmica em relação às competências do novo órgão em relação às verbas destinadas à publicidade governamental. A preocupação em garantir que o conselho tenha influência nesta questão se justifica pelo fato de o executivo estadual ser o maior anunciante do mercado publicitário baiano, mas serem restritas as ações para redirecionar os investimentos através de projetos e políticas que valorizem a diversidade e pluralidade no setor.
O objetivo da sociedade civil é que o conselho tenha, entre suas atribuições o incentivo à comunicação comunitária, iniciativas voltadas para as violações aos direitos humanos na mídia (como observatórios e centros de estudos) e outras experiências alternativas e populares no estado, além da participação nas atividades dos órgãos de radiodifusão e imagem estatais.
Fragilidade institucional
Na condução do GT, o primeiro desafio foi encarar a fragilidade institucional dos Conselhos de Comunicação, a começar pelo engavetamento de duas propostas na Assembleia Legislativa (AL) baiana nas décadas de 1980 e 1990, sob justificativa de inconstitucionalidade. ‘Enquanto temos 20 anos de Constituição, em que se avança na democracia participativa, na área de comunicação a gente retrocede. É certo que a gente não tem censura, mas estamos numa `terra de ninguém´, sem legislação, nem nada’, sublinha Daniella Rocha.
Outra preocupação apontada pelos representantes da sociedade civil é a estrutura institucional ao qual o conselho estará vinculado. A quase inexistência de um sistema público de comunicação, nos moldes da saúde e da educação, é um dos argumentos dos empresários para tentar limitar o alcance das ações do conselho na origem. Este argumento tem sido ratificado pelo governo estadual nos poucos momentos em que este apresenta posicionamentos dentro dos debates do grupo de trabalho.
Sivaldo Pereira reforça duas questões que devem ser levadas em conta na estruturação da proposta: ‘Primeiro, ele tem de ter poder de discutir e deliberar. Segundo, é preciso garantir a legitimidade do conselho. Ele pode ter poder, mas se seus membros forem indicados apenas pelo Executivo, não vai servir para nada’. Pereira ressalta que os representantes da Comissão Pró Conferência da Bahia que integram o GT têm atuado com unidade, defendendo o caráter normativo, fiscalizador e consultivo do conselho. O grupo também quer que o projeto passe pela Assembleia Legislativa, ganhando força de lei e, portanto, política permanente do estado.
O resultado das discussões, entretanto, depende em grande parte da vontade política do governo estadual, já que o GT é composto por dois representantes da sociedade civil, dois representantes dos empresários e quatro representantes do governo estadual. Após o trabalho do GT, o texto ainda deverá passar pela Casa Civil e, talvez, pela Assembleia Legislativa. ‘Vamos ter de continuar pressionando pela integridade do conselho’, comenta Pereira.
A criação do conselho baiano foi anunciada durante a 1ª Conferência Estadual de Comunicação, realizada em 2008, antes mesmo da convocação da Confecom. As discussões no interior e na capital demonstraram que, apesar da legislação e estrutura administrativa historicamente federalizar o debate sobre as comunicações, existem forças econômicas e políticas interessadas em participar das decisões em nível regional. Neste contexto, houve uma valorização das políticas locais, sendo o Conselho Estadual de Comunicação resultado direto deste processo.
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Poucos estados e municípios contam com conselhos de comunicação
Entre os estados brasileiros, apenas três possuem conselhos de comunicação (Alagoas, Amapá e Minas Gerais), mas apenas um foi de fato implementado – o de Alagoas, vinculado à Secretaria Estadual de Comunicação. Em âmbito municipal, poucas são as experiências publicizadas sobre o processo de criação dessas estruturas, mas alguns exemplos são as cidades de Pelotas (RS), Goiânia e Juazeiro (BA).
Mesmo pontuais, ou mesmo a maioria não funcionando à contento, essas experiências servem como estímulo e subsídio. Na cidade de Pelotas, por exemplo, o conselho foi criado por lei em 1999, tendo natureza deliberativa e sendo composto por um terço de representantes do poder público local e por dois terços de representantes de organizações não governamentais, sendo seus representantes eleitos em audiência pública.
Já na cidade de Goiânia, a experiência é ainda mais antiga. O conselho foi instituído por lei em 1 de julho de 1994. Seu caráter é consultivo e sua composição é fechada em torno de 12 organizações citadas na legislação e inclui representantes do poder público, sindicatos de trabalhadores em comunicação, representantes de empresas e um representante universitário.
Mais recentemente, uma experiência interessante é a da cidade de São José da Lapa, em Minas Gerais, onde além da criação do conselho, vem sendo discutida a implementação de um Fundo Municipal para Comunicação Comunitária e Popular. Para saber mais sobre essa experiência, clique aqui.
Ainda em âmbito municipal, a cidade de Juazeiro construiu uma experiência interessante, onde segmentos da sociedade civil, unificados em torno da Comissão Pró Conferência local, subsidiaram a criação do capítulo sobre comunicação da Lei Orgânica do município, aprovada no ano de 2009. Além disso, eles pleiteiam a criação de um conselho local nos moldes da experiência de Pelotas, ou seja, com caráter consultivo e formado por um terço de representantes do poder público e dois terços de representantes da sociedade civil.
Em âmbito estadual, no estado do Rio de Janeiro existem, pelo menos, dois projetos tramitando na Assembléia Legislativa, o mais conhecido deles é o do atual Ministro da Cultura e na época deputado Carlos Minc (PT) e, o segundo, de autoria da deputada Beatriz Santos (PRB). Na proposta de Minc, ele seria consultivo e composto por 20 membros, sendo formado por metade de representantes do poder público e metade por representes do setor de comunicação, entre movimentos sociais, órgãos de classe e empresários. O projeto de Beatriz prevê que 15 dos 20 representantes já seriam indicados pela própria lei e, curiosamente, o texto não fala se o caráter do órgão seria consultivo ou deliberativo.
Já em Alagoas, o conselho é formado por 18 membros, sendo 6 representantes do poder público, 10 da sociedade civil e 2 de empresas de comunicação. Seu caráter é consultivo mas, no momento, está em discussão sua transformação em órgão deliberativo. Em Minas Gerais, o Conselho está na Constituição Estadual e tem os membros indicados pelo Executivo, mas não funciona.
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Respectivamente, do Observatório do Direito à Comunicação e do Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania da Universidade Federal da Bahia