Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Holocausto brasileiro

Decerto para não machucar os seus leitores no momento mesmo em que batem os olhos no jornal, o Estado deste domingo preferiu chamar discretamente na primeira página, em vez de alertar em manchete, como seria mandatório, para o pacote de matérias devastadoras que ocupa o espaço útil de quatro páginas do seu caderno Metrópole.


Trabalhando com os números do Data-SUS, do Ministério da Saúde, ‘a mais antiga e confiável base de dados sobre mortes no Brasil’, o repórter Wilson Tosta, da sucursal carioca do Estado, estima que, no período de 30 anos a se completar em 2008, o país terá contabilizado 1 milhão de homicídos. Os registros iniciais do SUS datam de 1979. Não incluem os mortos na selva do trânsito.


Naquele ano, teriam sido 11.194 os assassinados no Brasil. Em 2005 (últimos dados disponíveis), 47.578. O repórter do Estado projeta 45.553 para 2006, 43.801 para 2007, 42.068 para 2008 e ainda 40.336 para 2009.


O ano em que mais se matou foi 2003, com 51.043 vítimas. Desde então, a tendência é declinante. (Antes, só em 1985, 1991 e 1992, morreu-se menos do que nos anos imediatamente anteriores.)


Ao longo desses três decênios, ocuparam o Palácio do Planalto os milicos Ernesto Geisel e João Figueiredo, os paisanos José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula da Silva. Todos tiveram ou disseram ter políticas de segurança.


Vá dizer isso para Inês Maria da Silva, de 67 anos. A sua história é contada pela correspondente do Estado no Recife, Angela Lacerda. Inês teve cinco filhos. Todos foram assassinados. O primeiro, há 20 anos. O último, em 2007.


Para mim, nada do que tenham dito, escrito e assinado as citadas excelências para combater o holocausto brasileiro vale qualquer coisa perto da afirmação de Inês:


‘A gente tem que se conformar, ficar calada.’


Outra repórter, Adriana Carranca, foi ouvir Tim Cahill, o homem da Anistia Internacional para o Brasil. Diz ele:


‘Um milhão de mortes em 30 anos é simplesmente inaceitável.’


Errou. É aceitável, sim senhor. 


Fosse inaceitável, os assassinados de hoje não seriam quatro vezes mais numerosos do que os de 1979.


Fosse inaceitável, a barbárie desses números ocuparia hoje toda a primeira página de um jornal como o Estado.


Fosse inaceitável, um protesto jornalístico dessa envergadura não correria o risco de ser considerado um exagero.