Surpreso com a realização de eleições no Iraque? Pois é: as informações de que tínhamos conhecimento indicavam que pouca gente votaria.
Acompanhar o noticiário está ficando complicado. As agências de notícias surgiram durante a Guerra da Secessão, nos Estados Unidos. E, exatamente para que pudessem fornecer informação a veículos de diferentes tendências, criaram-se as regras do jornalismo objetivo. Cada veículo, mais tarde, trataria as notícias (que, em princípio, seriam isentas) de acordo com sua própria orientação.
Hoje a coisa é diferente. Fomos informados de que o candidato democrata John Kerry (lembra-se dele?) poderia arrasar George Bush. Que os habitantes do Afeganistão, habituados à luta em seu território montanhoso, resistiriam com êxito às tropas americanas. Que o Exército de Saddam Hussein ofereceria tremenda resistência à invasão. Que Bush fugiu ao serviço militar. Que Lula exigiu a troca de diretoria do Banco Central – tanta coisa, tanta coisa errada! E a informação não sofreu um desvio inocente: ou foi plantada ou tem viés ideológico.
Algumas informações, aqui e ali, mostram algo do que está acontecendo. Mostram, por exemplo, o partidarismo dentro da imprensa. Um caso: a jornalista Majeda Husni el-Batsch, da France-Presse, é candidata à presidência da Autoridade Palestina, da qual é militante. Não é questão de idéias – cada um tem as suas. É questão de atividade partidária, aliás legítima, mas da qual o público não é informado.
Não se pode ter só uma fonte de informação. Quem tem uma não tem nenhuma.
A lei de Lynch
Vejamos a história como ela é: a mãe de um pré-adolescente envia o filho para passar uma temporada com Michael Jackson. Michael Jackson não é exatamente um desconhecido, nem o são suas supostas preferências sexuais. Algum colega jornalista enviaria um filho pré-adolescente, sozinho, para passar uns dias com Michael Jackson?
Aliás, a família do garoto já se envolveu em várias tentativas de ganhar dinheiro fácil. É possível, com esses antecedentes, aceitar que a imprensa leve a sério o julgamento do astro?
A cobertura do julgamento está esquecendo um fato indiscutível: que os Estados Unidos têm demonstrado grande apetite pela punição de superstars, especialmente quando pertencem a minorias raciais.
Muhammad Ali perdeu no tribunal o título de campeão mundial de todos os pesos porque se recusou a lutar no Vietnã. Que tem a ver o Campeonato Mundial de Boxe com as decisões militares de um único país, mesmo que sejam a maior superpotência do planeta? Além de perder o título, passou um bom tempo na cadeia. Detalhe: Bill Clinton também não foi ao Vietnã. Mas não era negro.
Mike Tyson foi para a cadeia como estuprador. E como ocorreram os fatos? Certo dia, às três da manhã, uma jovem de camisola foi sozinha ao apartamento do boxeador, num hotel. Saiu dizendo ter sido estuprada. Uma questão: qual o possível objetivo da jovem, ao entrar de madrugada, em trajes de dormir, nos aposentos do campeão? Que diabo estava fazendo por lá?
Jim Thorpe, cujo nome índio era Caminho Brilhante, um dos maiores atletas americanos do século 20, ganhou as medalhas de ouro do pentatlo e do decatlo nas Olimpíadas de 1912. Mas teve as medalhas cassadas porque, entre 1909 e 1910, tinha recebido ‘bichos’ por vitória em jogos de beisebol – logo, considerou-se, não era mais amador. As medalhas só foram devolvidas à família 30 anos depois de sua morte.
Acompanhemos com cuidado o julgamento de Michael Jackson (que está sendo acusado até de ter em casa revistas pornográficas vendidas livremente no mercado). Às vezes, para mostrar que nem os poderosos têm privilégios, existe a tentação de linchar um grande astro, apenas como exemplo.
A lei de Lynch, aqui
No Brasil, a idéia de que os poderosos jamais são punidos acaba provocando, na imprensa, o efeito oposto: o linchamento moral. Há alguns anos, a polícia invadiu a casa de um empresário porque uma jovem que morava em sua casa o acusou de espioná-la no banheiro, com uma câmera de vídeo. O delegado se esbaldou em entrevistas (‘mamãe, veja seu filho na TV!’), os veículos de comunicação se esbaldaram em transcrever acusações. O empresário foi acusado de ter fotos de nus da namorada, de ter uma coleção de filmes pornográficos, de ser, em suma, um completo devasso.
Quase tudo era verdade – exceto a única coisa que configuraria crime, o voyeurismo. Fazia uns seis meses que ele estava morando em Paris. A câmera, de modelo bem antigo, do tempo em que o filho do empresário era bebê, nem estava ligada. As fotos existiam – ele as havia tirado com permissão da moça. E os filmes de sua coleção tinham sido comprados normalmente nas lojas.
O inquérito nem foi para a frente. Mas quem responde pelo prejuízo moral causado a quem sofreu a agressão?
Olha lá, gente!
Atenção para as reportagens sobre o empresário Kia Joorabchian, da MSI, companheira de parceria do Corinthians. Várias vezes (talvez para não repetir ‘Kia’, ou ‘Joorabchian’), referem-se a ele como ‘o iraniano’ e ‘o estrangeiro’. É discriminação, gente! É racismo!
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação