O que é bom, se esconde; o que é ruim, se amplifica. Se o que for bom viver acompanhado de números, continua-se escondendo. Sempre haverá como produzir uma versão da realidade.
Desde a omissão aos elogios da revista The Economist ao Programa Bolsa-Família, os jornalões – com a honrosa exceção do O Globo – não aplicavam tão abertamente o avesso da lei Ricupero.
A prestidigitação, sempre vergonhosa, repete-se hoje na primeiras páginas da maioria dos jornais brasileiros, de onde também saem os despachos que alimentam dezenas de pequenos e médios jornais de outras cidades e capitais, sem contar suas ramificações no rádio, na tevê e na internet. Desta vez, o fato a ser escondido é a radiografia da miséria nacional apresentada ontem pela FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Os números são do ano passado – e talvez por aí se encontre as razões que expliquem a motivação para a manobra.
O Jornal do Brasil e a Folha de S.Paulo ignoram olimpicamente na primeira página que a Fundação Getúlio Vargas divulgou ontem estudo que aponta queda no exército de brasileiros que vivem na miséria. Já O Estado de S.Paulo não esconde – pelo contrário, joga no alto da primeira o título ‘2,6 milhões de brasileiros saem da miséria’. Mas, na legenda da segunda foto mais importante da capa, recorre ao engodo:
‘Na mesma’, diz, em assim mesmo, em negrito. ‘O carroceiro William Barbosa dos Reis não notou mudança e diz que ‘a vida era melhor’’.
Um primor de prestidigitação.
O Globo também traz o assunto na primeira página: ‘FGV: queda da desigualdade reduziu miséria’, registra a submanchete, sem truques.
Na leitura comparativa, outras diferenças gritantes começam a saltar – a começar pelo número real apontado pela FGV:
‘Uma quantidade de brasileiros comparável ao total de habitantes dos estados de Alagoas ou Espírito Santo — nada menos que 3,180 milhões de pessoas — superou a linha da miséria no ano passado’, diz O Globo.
‘A miséria caiu 8% em 2004 no País, uma redução de 2,6 milhões no número de pessoas nessa situação’, contradiz o Estado, com um abatimento de 500 mil pessoas.