A Folha tomou a decisão de não identificar o amigo do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em cuja casa de campo, em Ibiúna, interior de São Paulo, eles, suas mulheres e seis crianças ficaram reféns de assaltantes durante cerca de sete horas, do fim da noite da Terça Gorda ao amanhecer da Quarta de Cinzas.
Só hoje o caso apareceu na imprensa, porque as vítimas não deram queixa, mas, sabendo do acontecido, o secretário de Segurança do Estado mandou abrir inquérito a respeito – e o episódio vazou.
O jornal informa que o amigo pediu para não ter o nome divulgado, por questões de segurança.
Não está claro se ele fez o mesmo pedido aos repórteres dos outros jornais que o procuraram para que relatasse o que ocorreu naquela noite tenebrosa.
Mas o fato é que o seu nome apareceu com todas as letras no Estado. E com todas as letras, mais uma grande fotografia – em que aparece ao lado da mulher – e a história de sua trajetória empresarial, no Globo.
Existem pelo menos duas hipóteses para a diferença de tratamento.
Ou ele falou à Folha antes – e aos outros jornais depois – que a polícia e eventuais outras fontes o identificassem. Ciente disso, ele já não teria por que manter o pedido, mas por alguma razão não liberou a Folha do compromisso de sigilo. E o jornal ficou com o mico.
Ou, o que talvez seja mais provável, ele pediu segredo do nome a tutti quanti, mas foi desatendido pelo pessoal do Estado e do Globo. Se assim se passaram as coisas,os jornalões cometeram penalti contra a ética. Com a possível agravante de os seus repórteres terem concordado com a solicitação e, depois de obter o que desejavam, eles, ou os seus superiores, romperem o trato.
Seja como for, a Folha teve a atitude eticamente recomendável em situações do gênero.
Claro que a identidade da(s) pessoa(s) com quem um ministro compartilha da condição de vítima de uma violência é notícia. E, de quebra, mal não faz ao distinto público ser apresentado a um amigo próximo de uma autoridade poderosa como o titular da Fazenda.
Mas nem toda notícia tem direito adquirido à publicação. Os jornais não publicam, por exemplo, nomes de sequestrados sem autorização das famílias. Às vezes, pelo mesmo motivo, não os identificam nem depois de serem resgatados ou libertados mediante pagamento.
É o direito à privacidade prevalecendo sobre o direito à informação. Antes assim, salvo quando a privacidade servir para encobrir malfeitos.
No caso do amigo oculto na Folha, os defensores de sua identificação podem objetar que o argumento da segurança por ele invocado não se sustenta. Afinal, que diferença fará, desse ponto de vista, a revelação do seu nome? Assaltado ele já foi, na sua própria casa de campo, e assaltado ele poderá voltar a ser, anônimo ou não. E amigo de ministro, diriam os mais cínicos, não merece ficar imune à curiosidade pública.
Duplo erro.
Em primeiro lugar, não cabe ao jornalista julgar se um pedido de anonimato se justifica ou não, quando o autor do pedido não está sob suspeita de ter aprontado alguma, muito ao contrário. Respeitar a solicitação, salvo razões gritantes em contrário – e nessa história não havia nenhuma – é apenas manifestação daquela decência comum que a mídia, em geral, tantas vezes parece pronta a fingir que não é com ela. Ponto para a Folha, repito.
Segundo, a identidade de pessoas das relações dos poderosos só merece chegar ao conhecimento dos que os sustentam quando há motivos suficientemente robustos para um órgão de imprensa achar que essa amizade causou prejuízo ao interesse coletivo. Vejam bem, ‘causou’, não ‘poderá causar’.
Em suma, a mídia esquece com deplorável frequência que, assim como em inumeráveis outras situações da vida, nem tudo que se pode fazer se deve fazer.
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