Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estadão esquenta manchetes e não considera margem de erro de pesquisa


O Estado de S.Paulo de hoje traz novo motivo para os leitores encararem o noticiário sobre os escândalos com precaução. A manchete principal ‘Secretária amplia denúncias sobre o mensalão’ vende uma mercadoria, mas a reportagem entrega outro. Tudo por conta das seis letras da palavra ‘amplia’ que, em em qualquer dicionário, significa aumentar, alargar, tornar mais intenso etc. Isso é o que vende o título. Mas, ao ler a reportagem, vê-se que a ex-secretária Fernanda Karina Somaggio não ampliou coisa alguma, mas sim confirmou o que já disse antes à revista Istoé Dinheiro e depois negou em seu depoimento na Polícia Federal. O truque pode ter sido aplicado para a surrada prática de se esquentar uma notícia. No caso, iluide leitor com a idéia de que a ex-secretária acrescentou novas denúncias sobre os negócios de seu ex-patrão, Marcos Valério, com dirigentes do PT e com o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu.


O artifício de vender uma verdade na manchete e entregar outra na reportagem é comum nos grandes jornais. O maior prejuízo desse truque reside no fato de que manchetes, títulos, legendas e textos-legendas têm índice de leitura muitas vezes maior do que as reportagens. A percepção dos leitores, portanto, depende muito mais dos elementos de maior leitura. No caso da manchete de hoje do O Estado, prevalece, portanto, a verdade de que a ex-secretária aprofundou suas acusações com novos detalhes e revelações – o que não é verdade.



Não é a primeira vez que O Estado de S.Paulo escorrega em ato falho. No sábado passado, o jornal trouxe em manchete principal que ‘Escândalo já afeta popularidade de Lula’, em repercussão aos números da pesquisa do Ibope feita para a CNI (Confederação Nacional da Indústria). A reportagem ‘Denúncias de corrupção derrubam aprovação de Lula e do governo’ compara as opiniões dos entrevistados colhidas nas pesquisas de março e junho deste ano.


Os números brutos da pesquisa são os seguintes:


– a confiança no presidente da República caiu de 60% para 56%;


– os que não confiam no presidente da República cresceram de 34% para 38%;


– os que aprovam o desempenho do presidente caíram de 58% para 55%;


– os que desaprovam cresceram de 35% para 38%;


– os que consideram o governo ótimo diminuíram de 39% para 35%;


– os que consideram regular mantiveram-se em 41% nas duas pesquisas;

– os que qualificam o governo Lula como ruim ou péssimo subiram de 17% para 22%.


Todos os números indicam, sem dúvida, que a porcaria espalhada pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, afetou o presidente da República e seu governo. Mas a análise desses mesmos números não oferece a mesma conclusão, se for considerado o detalhe – ignorado pelo enfoque dado pelo O Estado de S.Paulo – de que a margem de erro da pesquisa é de 2,2%.

Isso quer dizer que todos os números apresentados acima devem ser acompanhados de 2,2%, para mais ou para menos, para oferecer uma interpretação, no mínimo, mais honesta. Feitas as continhas de adição e subtração, o que se tem é empate em todos os indicadores, com exceção dos que consideraram o governo ruim ou péssimo, que cresceram 0,06%.