Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Gabeira crava um marco na crônica da crise

O máximo que ocorreu ao presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, para se desforrar do deputado verde Fernando Gabeira, pelo que este o obrigou a ouvir na sessão de ontem da Casa, foi dizer, já fora do plenário, que “ele quer se afirmar como homem, mas não conseguiu ainda.

Pobre Severino. Na realidade, hay que tener cojones, como dizem os espanhóis – além de caráter e integridade política – para um parlamentar se dirigir ao terceiro hierarca da República, nos seguintes e inesquecíveis termos:

“Vossa Excelência está se comportando de maneira indigna. Não posso representar contra Vossa Excelência porque sou um deputado isolado. Mas afirmo que Vossa Excelência está em contradição com o Brasil. A sua presença na presidência da Câmara é um desastre para o Brasil e para a imagem do país. Ou Vossa Excelência começa a ficar calado ou vamos iniciar um movimento para derrubá-lo.”

As chances de um movimento desses prosperar dependem de provas, ou pelo menos de indícios veementes, como se diz nos tribunais, de que também Severino se beneficiou do impropriamente chamado mensalão – porque o que menos importa aí é a periodicidade – ou se acumpliciou pelo silêncio com os correligionários que se beneficiaram do PTduto.

Mas, com a hombridade de chamar as coisas pelo nome, o ex-petista Gabeira conseguiu cravar um marco na história da Câmara durante esses três meses de crise da corrupção: se não na prática, decerto simbolicamente, existia uma Câmara antes da fala de Gabeira e existe outra depois.

Trezentos deputados votaram em Severino. Trezentos eram os “picaretas” de que falava Lula. Mas não dizem que bastam 1o0 homens justos para salvar toda a humanidade?

É bem verdade que Gabeira não foi o único a atacar Severino por sua entrevista à Folha [veja a nota abaixo] em que negou que o PT subornasse políticos para votar a favor do governo e se manifestou contra a cassação daqueles que conseguirem provar que se abasteceram nas contas de Marcos Valério – “com dinheiro vindo dos Correios, de publicidade” – para pagar, via caixa 2, dívidas de campanha.

O que Severino não faz com dinheiro

O pefelista José Carlos Aleluia, por exemplo, disse ao microfone de apartes que “a Câmara foi jogada à execração pública”. O tucano Alberto Goldman tinha dito já no dia da entrevista que Severino foi “leviano e irresponsável”.

Aleluia e, depois, Gabeira, reagiram à nota lida por ele para se defender. Disse que não era “leviano, irresponsável ou muito menos desequilibrado”. De fato, Goldman se enganou. Severino pode fazer tudo com dinheiro, venha de onde vier, menos rasgá-lo.

Na crise, ele vem jogando em dobradinha com o governo. Ninguém mais interessado do que o ex-ministro José Dirceu, para não falar no presidente Lula, em destruir as denúncias de compra de deputados.

Severino, ontem: “Enganam-se aqueles que pensam que deixarei levar inocentes ao cadafalso.” Lula, ontem: “Temos de contar até 10 cada vez que temos de falar alguma coisa para não causar nenhuma injustiça, nenhum transtorno.”

Semanas atrás, Severino tentou atrasar a abertura do processo por quebra de decoro parlamentar do agora deputado Dirceu, no Conselho de Ética da Câmara.

Ontem, enquanto Lula dizia também – com razão, em tese – que se deve ler duas vezes uma notícia muito escandalosa, para ver “se tem verdade ali” –, no plenário o deputado petista Devanir Ribeiro dirigia-se, reveladoramente, a Severino:

“Vossa Excelência terá minha solidariedade enquanto presidir esta Casa, enquanto não acatar o que a mídia quer que façamos aqui, ou seja, uma caça às bruxas”.

Não menos revelador – no caso, do que aconteceu com o partido da ética – foi o comentário de outro petista, o deputado Chico Alencar, sobre a decisão do PPS de patrocinar os pedidos de cassações que vierem da CPI dos Correios [para que possam seguir diretamente ao Conselho de Ética e não depender de Severino]:

“Estou com ciúme. Quem deveria fazer isso era o PT.”

“Era”.