É boa para o país a sobriedade com que a mídia trata hoje da história dos supostos dólares cubanos para a campanha presidencial de Lula e do clima de guerra que já antes disso vinha se formando em Brasília – e que, por sinal, deu uma amainada ontem.
Dois jornais que não têm poupado o governo Lula, o Estado e a Folha, saíram com editoriais positivos. Primeiro, porque mantêm prudente distância da denúncia da Veja. Segundo, porque pregam cabeça fria.
“Entre aceitar a reportagem pelo seu valor de face e negar, liminarmente, que tenha qualquer fundo de verdade”, observa o Estadão, “está o acidentado terreno pelo qual os políticos (e as agências de investigação a que vierem a recorrer) devem transitar em busca dos fatos”.
O que o jornal recomenda é a coisa certa: “Pedir a políticos que falem menos e pensem mais, antes de falar, nas consequências do que pretendem dizer é decerto pedir muito. Mas é o que está na ordem do dia: o caso dos dólares cubanos precisa ser investigado com objetividade, competência – e sem declarações carbonárias.”
Já o Folhão, depois de sustentar que a crise política “é de inteira responsabilidade do PT e do presidente da República”, aconselha as lideranças oposicionistas a atuar “com sensatez”. Ou seja, nada de “bravatas e decisões irrefletidas que contribuam para exaltar os ânimos e insuflar um clima de descontrole e confronto externo.’
E no seu comentário diário na rede CBN, a cientista política Lucia Hippolito [citada no blog do Noblat], de quem ninguém dirá que arrasta a asa para o PT, disse hoje que foi do presidente petista Ricardo Berzoini “a atitude mais sensata do dia de ontem”: o aviso de que acionará a Justiça contra a Veja por calúnia e difamação.
“Se tudo não passar de fantasia ou especulação vazia, a Justiça saberá punir a Veja. Caso contrário, caberá ao PT se explicar. É assim que as coisas se passam em ambientes civilizados”, falou Lucia.
Falou ainda outra coisa – e falou bem: “É preciso ter cuidado para que a crise não ultrapasse limites politicamente administráveis. Ou seja, cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém.”
Ontem, no Valor, outro cientista político, Fernando Luiz Abrucio, previu que o próximo presidente tomará posse “em meio à guerra de todos contra todos”, se a parcimônia e a moderação não imperarem “sobre a paixão desmedida”.
Abrucio, por sinal, desancou a matéria da Veja: “pura e irresponsável especulação”. Não menos duro foi hoje na Folha o colunista Clovis Rossi, que tem batido no governo e no PT a mais não poder. Para ele, a reportagem é “completamente inverossímil”.
No Globo, Merval Pereira faz outro julgamento: a denúncia é verossímil “embora muita coisa não faça sentido na reportagem”, o que não livra o governo e o PT da obrigação de se explicarem.
Ao que se pode objetar que o ônus da prova é sempre de quem acusa. Mas passemos.
Agora, para que as advertências dos editoriais da Folha e do Estado e dos cientistas políticos Fernando Abrucio e Lucia Hippolito não caiam em ouvidos moucos, como escreveria um editorialista de antanho, os tucanos precisam se entender.
Ontem, os presidenciáveis Geraldo Alckmin e o prefeito José Serra, principalmente este último – que mantém abertos canais de comunicação com o Planalto – baixaram a bola.
Alckmin: “Essa discussão [sobre impeachment] é fora de hora. O que tem que fazer é investigar [a história da Veja], até para, se for o caso, inocentar quem está sendo responsabilizado.”
Serra: “Não se trata de ser mais ou menos cauteloso. Trata-se de ser responsável. Há elementos para uma investigação, não diria que há elementos para um impeachment.”
Enquanto isso, o líder do PSDB no Senado, Artur Virgílio, ameaçou dar uma ‘surra’ no presidente se algo acontecer à sua família, que estaria sendo vítima de ameaças – ou de chantagem, não ficou muito claro. ‘Sou de escorpião. Jamais desonraria o meu signo. Sou inesquecível como inimigo’, vangloriou-se.
A bancada senatorial de um partido sério não pode ser liderada por uma figura truculenta – que, ainda por acima, acredita em astrologia.
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