Durante a semana que começou na sexta-feira, a mulher vai ser o grande destaque na imprensa nacional.
E não se trata da cientista que fez uma grande descoberta, a parlamentar que fez um discurso irado no Congresso ou a dona-de-casa vítima da violência doméstica.
Durante esta semana, a mulher brasileira retratada na imprensa é linda, despreocupada… e disponível. Pelo menos na cabeça dos estrangeiros que correm para o Carnaval para descarregar suas frustrações sexuais.
Quanto menos vestida, mais destaque ela terá.
Preste atenção nas fotos – porque os textos acabam sendo sempre os mesmos – e conte quantas mulheres vestidas ganharam mais do que uma foto-legenda. E olha que os jornais ainda tentam manter a compostura. O grande festival fica para as revistas especializadas – especializadas em fofocas e socialites – que enchem páginas e páginas com fotos que beiram o tênue limite do pornográfico. E para a televisão, na cobertura do desfile e dos bailes onde mulheres quase despidas e travestis fazem a alegria dos cameramen… e dos voyeurs em casa.
Nada contra a exposição de corpos, trejeitos maliciosos e do festival de derrières que assola a mídia durante o Carnaval. O que cansa é a falta de opção, tanto nos noticiários de jornal como de TV. É como se o mundo se resumisse às avenidas e ruas superlotadas de foliões. E mulheres despidas.
Cachê para as pobres
Se, em vez de se contentar com os 15, 20 ou 30 minutos da efêmera fama do Carnaval, as mulheres brigassem por espaço na mídia por suas realizações, se a imprensa feminina desse mais destaque aos seres pensantes do universo feminino – e menos às dietas, aos bronzeadores e às roupas – não haveria uma ONG sequer reclamando de preconceito. Não seria preciso fazer campanhas para acabar com o turismo sexual, com a prostituição infantil, com a violência contra as mulheres.
Se o assunto que a imprensa tem nesses dias é Carnaval, se as mulheres vão para o desfile e bailes seminuas e se os leitores pagam para ver as fotos, por que não publicar? Nem é preciso ter trabalho criando pautas. Muita mulher pelada, celebridades em destaque (se estiverem pouco vestidas, melhor ainda) e ficam todos felizes com as páginas cheias.
O que não me parece justo é que as celebridades tenham contratos para aparecer em camarotes, enquanto a grande massa de mulheres pobres, que trabalha duro pela escola e pelo direito de estar na avenida, terminem o desfile um pouquinho mais famosas, mas tão pobres quanto começaram. Não seria o caso de qualquer mulher, vestida ou despida, receber um cachê pelo direito de uso de sua imagem na imprensa?
Mais respeito lá fora
Se o pagamento pelo uso de imagem é de lei, que a lei seja cumprida. Quem sabe assim as revistas especializadas e a televisão passem a ser um pouco menos exageradas nos ângulos e a mulher brasileira tenha uma imagem menos permissiva lá fora, onde o nome Brasil é associado a biquínis e depilação da virilha.
No momento em que o governo faz campanhas para melhorar a auto-estima do povo, a imprensa poderia começar um trabalho para melhorar a imagem da mulher. Não vamos tirar de ninguém o direito de se vestir ou se despir. Mas, já que o Carnaval se transformou em mais uma forma de faturamento, que isso seja democratizado, com os participantes, como qualquer extra em Hollywood, recebendo por seu trabalho.
Na hora que a imprensa puder dizer que o Carnaval é um espetáculo organizado, com seus participantes pagos por sua arte, as mulheres que desfilam serão encaradas com mais respeito. O respeito pelo trabalho profissional remunerado. E certamente vai mudar um pouco a imagem da mulher brasileira – aqui e lá fora.
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Jornalista