Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma verdade inconveniente, versão brasileira

Os textos e títulos a seguir foram transcritos das edições de hoje do Globo, Folha e Estado, nesta ordem. Tratam do que o primeiro desses jornais chamou ‘o mais dramático estudo sobre mudanças climáticas no Brasil’, apresentado ontem pelo Ministério do Meio Ambiente. Os cientistas prevêem uma elevação de até 40 centímetros no nível do mar, no litoral brasileiro.

É, portanto, a versão brasileira do célebre estudo ‘Uma verdade inconveniente’ que se transformou no documentário de mesmo nome, premiado com o Oscar, sobre o aquecimento global, com o ex-vice-presidente americano Al Gore .

Roga-se ler com o conjunto com atenção, apesar das informações repetidas – mantidas de propósito para reforçar a percepção das verdades que contêm.

Afinal, como diz a ministra Marina Silva, ‘estamos em uma esquina ética. Ou entramos em um novo processo civilizatório, ou a situação vai ficar muito difícil’.

Antes fosse alarmismo sem fundamento dos fundamentalistas da ecologia. Infelizmente, não é.

Aos textos dos três jornalões:

Caos no clima ameaça dividir Amazônia ao meio

”A Amazônia corre o risco de ser literalmente rachada ao meio em razão do aquecimento do planeta. Se forem mantidas as taxas globais de emissões de gases do efeito estufa, a temperatura da região pode aumentar em até 8 graus Celsius e, a partir de 2050, o centro da floresta será transformado em 600 mil quilômetros quadrados de Cerrado, que dividirá a Amazônia em dois blocos de remanescentes.

O prognóstico é parte do cenário traçado pelo estudo Mudanças Climáticas Globais e seus Efeitos sobre a Biodiversidade, divulgado ontem pelo Ministério do Meio Ambiente.

O relatório brasileiro é alarmante em relação ao nível do mar, que tende a aumentar 40 centímetros por século. Cerca de 42 milhões de pessoas que vivem na zona costeira poderão ser afetadas pelo avanço do Oceano Atlântico. O relatório mostra o Rio de Janeiro como “uma das cidades mais vulneráveis”.

Na costa, calçadões, casas e bares poderão ser destruídos pelas ondas ou pelo aumento de até quase meio metro do nível médio do mar. A Ilha de Marajó, no Pará, poderá perder até 36% de seu território.

E, segundo o estudo, o processo de encurtamento das praias já começou. Em Recife, a linha costeira retrocedeu 80 metros entre 1915 e 1950 e mais de 25 metros entre 1985 e 1995. O relatório mostra que uma elevação de 50 centímetros no nível do Atlântico poderia consumir 100 metros de praias no Norte e no Nordeste. Outra conseqüência seria a destruição de portos e a falência de redes de esgoto.

O estudo, coordenado pelo cientista José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), traz um enfoque nacional do alerta global dado no início do mês por cientistas do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. Segundo o documento, se nada for feito para reverter a situação de desmatamento e emissão de gases tóxicos no Brasil e no mundo, a temperatura média do país poderá aumentar em 4 graus Celsius até 2100. Na Amazônia, esse aumento pode ser de 8 graus Celsius.

Assim como foi mostrado no documento do IPCC, as mudanças climáticas no Brasil também são causadas pela ação humana.

Os principais fatores são o desmatamento, o aumento das queimadas e a queima de combustíveis fósseis.

O estudo vai ajudar na formação de políticas públicas para o setor. Ou entramos em um novo processo civilizatório, ou o cenário vai ser muito difícil, disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

O estudo também conclui que haverá a diminuição na vazão nos rios devido à evaporação, causada pelo aquecimento do ar, e à redução das chuvas.

Em algumas regiões, a geração de energia hidroelétrica poderá ficar comprometida.

De 1961 a 1990, o país registrou uma temperatura média de 25 graus Celsius. Até o fim do século, essa média pode chegar a 29,9 graus Celsius. No Nordeste, o aumento pode variar de 2,2 graus Celsius a 4 graus Celsius.

O ministério divulgou o resultado de outras sete pesquisas.

Uma delas, coordenada pelos cientistas Adalto Bianchini e Pablo Martinez, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, revela que o aumento de temperatura pode comprometer a biodiversidade.

A temperatura média do Brasil pode subir em até 4 graus Celsius no fim do século, passando dos atuais 25 graus Celsius para 29,9 graus Celsius.

Culturas perenes, como a laranja, tendem a buscar regiões com temperaturas mais baixas. Por isso, a produção poderá ser deslocada para o Sul.

A redução de chuvas e a diminuição da vazão nos rios vão limitar os esgotos e o transporte fluvial e podem ainda comprometer a geração de energia hidroelétrica.

Regiões metropolitanas ficarão ainda mais quentes.

Aumentarão os riscos de inundações, enchentes e desmoronamentos principalmente nas encostas de morro.

Os casos de doenças infecciosas cujos vetores sejam insetos típicos de regiões mais quentes podem se expandir para mais áreas. Caso da dengue.

O aumento da temperatura pode alterar o equilíbrio celular de espécies. Nem todas sobreviveriam a um clima muito mais quente que o atual.

Avanço do mar ameaça 42 mi no Brasil

A elevação no nível dos mares decorrente do aquecimento global poderá deslocar, até o final deste século, até 42 milhões de pessoas que habitam cidades litorâneas no Brasil. Por conta do calor, casos de doenças como febre amarela, malária e dengue devem aumentar. A Amazônia pode esquentar até 8C, com vastas porções de floresta cedendo lugar a uma vegetação semelhante ao cerrado.

Essas são as projeções mais pessimistas dos estudos divulgados ontem pelo Ministério do Meio Ambiente sobre os impactos da mudança climática no país. Oito pesquisas mapearam os efeitos do aumento da temperatura, usando desde dados atualizados do último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática) até maquetes da baixada Santista para projetar o efeito da elevação do nível do mar.

A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) defendeu que o governo federal prepare um plano de ação para adaptar o país à nova realidade climática -irreversível, segundo o próprio governo, mas variável em sua intensidade.

‘O processo que se avizinha é avassalador, é altamente preocupante’, disse a ministra Marina Silva. ‘Defendo que o governo tenha um plano nacional, como foi feito para conter o desmatamento na Amazônia.’

Segundo o secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério, João Paulo Capobianco, o MMA ‘já tem uma proposta’ de um plano de ação contra as mudanças climáticas, que depende de negociação com outros ministérios. Ela poderá ser apresentada ‘em três ou quatro meses’, afirmou.

Um plano contra a mudança climática incluiria tanto ações de adaptação (como mudar o zoneamento em cidades litorâneas para evitar o avanço do mar) quanto de mitigação. O Meio Ambiente vê a redução do desmatamento amazônico como principal ação de mitigação.

‘O Brasil tem uma janela de oportunidade para enfrentar o problema. Tem uma matriz energética limpa e a maioria de suas emissões é por desmatamento, que é algo que governo e sociedade já estão combatendo’, disse Capobianco à Folha.

O ministério, no entanto, fez ressalvas ao resultado dos estudos. Para o governo, as conclusões ‘devem ser vistas como indicadores, não como fatos consumados’. Por isso, seria preciso fazer mais pesquisas e melhorar as metodologias usadas, que tiveram falhas e levaram a resultados divergentes.

Além disso, o governo acredita que é preciso levar em conta a possibilidade de as políticas ambientais melhorarem anulando as previsões.

Os estudos divulgados ontem foram feitos por universidades e entidades de pesquisa contratadas pelo ministério em 2004. O objetivo da contratação (R$ 1 milhão, com financiamento de várias entidades, como Banco Mundial), segundo o ministério, é preparar o governo para lidar com o efeito estufa.

O único estudo divulgado na íntegra no site do MMA (www.mma. gov.br) foi realizado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Ele considerou itens como chuvas, temperatura, vazão de rios e extremos climáticos. Com base nesses itens, foram montados dois cenários: um ‘absolutamente otimista’ e outro ‘totalmente pessimista’.

De acordo com o estudo, o aumento médio da temperatura no Brasil pode chegar a 4C acima da média verificada em 1961. A temperatura média do país chegara a 28,9C (cenário pessimista) ou 26,3C (cenário otimista) em 2100.

A redução da quantidade de chuvas afetaria principalmente a região leste da Amazônia. Para o Sudeste e no Centro-Oeste, a pesquisa apontou também a possibilidade de aumento de ‘extremos do clima’, como ondas de calor e chuvas intensas.

No estudo, o climatologista José Marengo usou um modelo climático regional recém-desenvolvido pelo Inpe. O modelo é um programa de computador que simula condições futuras após ser alimentado com dados como temperatura e concentração de gases-estufa.

O novo modelo ‘enxerga’ a região com mais detalhe (dividindo-a em células de até 40 km) que os modelos usados pelo IPCC, chamados GCMs ou modelos de circulação global (com células de 200 km).

Como o clima é global, o modelo regional precisou ser unido a GCMs. E aqui entrou uma segunda inovação no estudo: juntar o modelo do Inpe aos cinco principais modelos usados pelo IPCC, o que aumenta a confiabilidade dos resultados.

Segundo Marengo, o que elevará a média das temperatura na Amazônia não é o aumento nos extremos, mas sim uma rotina quente. ‘As temperaturas de 40C ocorrem agora com pouca freqüência, mas no futuro podem ocorrer mais’, diz.

EUA têm de se esforçar mais, diz Marina

Às vésperas da chegada do presidente norte-americano George W. Bush ao Brasil, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que os EUA devem se esforçar mais para reduzir o efeito estufa.

‘A humanidade inteira cobra do presidente Bush que tenha mais compromisso em relação à diminuição de emissão dos gases causadores de efeito estufa’, disse a ministra. Bush visitará o Brasil em 8 e 9 de março e o presidente Lula vai aos EUA no final do mesmo mês. Na pauta estão negociações sobre uma possível cooperação na utilização do etanol como combustível.

A ministra afirmou que é preciso negociar politicamente a redução de emissões nos países desenvolvidos. ‘Estamos em uma esquina ética. Ou entramos em um novo processo civilizatório, ou a situação vai ficar muito difícil’, afirmou.

O governo brasileiro ratificou a sua posição de não ter metas próprias para redução de emissões. A declaração da ministra foi dada no mesmo dia em que o G77, bloco de países desenvolvidos, publicou um manifesto pedindo às nações industrializadas que assumam sua parcela maior de culpa pelo aquecimento global.

Grupo pede US$ 45 bi para pesquisas em energia limpa

Para evitar o pior cenário de mudança climática, os governos precisam investir entre US$ 45 bilhões e US$ 60 bilhões por ano em pesquisas sobre energia limpa para promover cortes agudos nas emissões de combustíveis fósseis.

A quantia, estimada por um comitê de 18 cientistas montado pela ONU (Organização das Nações Unidas), é três a quatro vezes o gasto mundial anual e até 20 vezes o gasto anual dos EUA com pesquisa em fontes renováveis.

Em relatório divulgado ontem, os pesquisadores afirmam que as emissões de gás carbônico precisam parar de crescer até o quinquênio 2015-2020 e então serem reduzidas a um terço do nível atual até 2100. Para isso, o grupo propõe medidas como um embargo à construção de novas termelétricas a carvão, a não ser aquelas equipadas para capturar e armazenar gás carbônico.

O documento também faz recomendações para adaptação ao problema, e diz que a própria ONU precisa se preparar melhor para ajudar dezenas de milhões de ‘refugiados ambientais’, e autoridades devem desencorajar novas construções a menos de um metro acima do nível do mar. O novo relatório de pode ser encontrado no site www.unfoundation.org/staging/seg

País prepara plano para enfrentar aquecimento

Erosão de vários quilômetros do litoral, extinção de inúmeras espécies de peixes, aves e répteis, inundação de mangues, aumento de doenças como malária e febre amarela. O cenário é descrito em oito estudos de pesquisadores brasileiros sobre os possíveis efeitos do aumento do aquecimento global no Brasil até o fim deste século. “O processo que se avizinha é avassalador”, resumiu a ministra Marina Silva, durante a cerimônia da apresentação dos estudos, ontem, em Brasília.

Encomendada pelo Ministério do Meio Ambiente, a série de estudos deverá servir como ponto de partida para uma discussão considerada essencial por Marina: a criação de um Plano Nacional para enfrentar o aquecimento global. Informalmente, a ministra já iniciou a discussão com alguns colegas de governo. A expectativa é de que, agora, com os estudos em mãos, o assunto seja levado oficialmente ao presidente Lula. “Em quatro meses, é possível já ter um esboço deste plano”, calcula o secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco.

A pressa da equipe do ministério se explica. Quanto mais rápido o processo for iniciado, maiores as chances de se tirar benefícios da comoção criada com a divulgação do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC), no início deste mês. No relatório internacional, as previsões são igualmente preocupantes. “Não somos ingênuos em imaginar que, se fizermos nosso dever de casa, estaremos livres dos problemas. É preciso um esforço mundial, que todos os países ingressem nessa luta”, afirmou a ministra.

Os projetos tiveram como principal financiador o Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio) e foram desenvolvidos por mais de dez instituições de pesquisa. Também integraram o projeto o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Fundo Global para o Meio Ambiente, o Banco Mundial e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Os trabalhos avaliam desde mudanças gerais do clima brasileiro, o impacto das mudanças no Pantanal e no litoral do Rio Grande do Sul, até projeções sobre o efeito da elevação do nível do mar no litoral Sul paulista. Para fazer este último estudo, foi construída uma maquete da baía e do estuário de Santos e de São Vicente.

Um dos estudos fez uma projeção do prejuízo provocado pelo aumento do nível do mar na Ilha dos Marinheiros, no estuário da Laguna dos Patos. Pela projeção, a elevação de 10 centímetros da laguna provocaria uma perda anual de R$ 11 mil. Com um metro de elevação, o prejuízo, provocado pela perda da área agricultável, seria de R$ 780 mil anuais. O estudo, porém, é apenas o primeiro passo. Não há, ainda, estimativas de quais seriam os prejuízos financeiros provocados pelo aumento do aquecimento global no Brasil. Ou mesmo quanto custaria para fazer um plano de emergência. “Tudo isso virá agora, numa segunda etapa”, explicou Capobianco.

A intenção é de que os trabalhos continuem a ser realizados, tanto para refinar as projeções quanto para verificar quais as conseqüências que já podem ser sentidas pelo aumento do aquecimento. “Este foi um zoom do painel internacional”, resumiu o pesquisador do Instituto de Pesquisas Espaciais, José Antonio Marengo, um dos autores dos oito estudos apresentados ontem.

Marengo também é co-autor do documento do IPCC, que é feito regulamente por pesquisadores de todo o mundo sobre as mudanças climáticas. Para o pesquisador, a tarefa essencial agora é detectar quais as áreas mais vulneráveis brasileiras. E, a partir daí, estudar ações para reduzir os impactos sobre a população.

A ministra Marina Silva mais uma vez defendeu a posição brasileira, afirmando que o País reduziu o desmatamento em mais de 50% nos últimos dois anos e, com isso, impediu a emissão de 430 milhões de toneladas de carbono na atmosfera. Ela observou, porém, que embora seja ambientalmente limpa, a matriz energética do Brasil, fundamentada sobretudo nas hidrelétricas, tem de ser diversificada.

A preocupação é que, com o aquecimento global e a redução da oferta de água, a produção de energia caia de forma drástica. Para Marina, tal risco deve fazer com que o País procure diversificar suas fontes de energia. Excetuando a atômica – como alguns de seus colegas de governo defendem. “Esta (a construção da usina de Angra 3) não é a melhor solução”, afirmou.

Para a ministra, um dos grandes trunfos brasileiros são programas como biodiesel e etanol. “Temos a tecnologia, temos o processo. É fundamental que sejamos cada vez mais proativos”, afirmou. Referindo-se à visita do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, ao Brasil, ela observou que o biocombustível é muito mais do que uma oportunidade de negócio. “É algo que tem de ser difundido por diversas áreas do planeta.”

Marina observa que tal política deve ser feita com base sustentável. Para ela, as áreas de cultivo têm de estar afastadas de unidades de conservação, para não implicar em desmatamento nem em prejuízo ao ambiente.’

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