A comunicação é hoje componente essencial na conquista do sucesso de qualquer empreendimento, seja na iniciativa privada, seja na gestão pública. O reconhecimento do alto grau de importância da comunicação como ferramenta de construção, consolidação e agregação de valores simbólicos e objetivos a marcas, empresas, instituições, personalidades, programas, projetos e causas, entretanto, por sua vez, não tem transmitido aos profissionais – que fazem a comunicação ser o que é – o valor correspondente a suas atividades-fim.
Os profissionais da comunicação vivem um paradoxo. Suas áreas profissionais são cada vez mais requisitadas para alavancar as demais áreas da atividade humana, inclusive as de lazer e ócio. Os investimentos nos meios e suportes da comunicação crescem a taxas recordes, ano após ano, para atender a uma demanda ascendente por seus espaços. Mas, ao mesmo tempo, os comunicadores – de jornalistas, passando pelos publicitários, a repórteres fotográficos e repórteres cinematográficos – vêem atacadas violentamente todas as iniciativas de organização das categorias e achatada, sem justificativa plausível, sua remuneração.
Tenho empreendido esforços em leituras, conversas, debates e análises com outros profissionais da comunicação, professores e empresários da área na tentativa de compreender a dinâmica da lógica que valoriza tão desproporcionalmente a atividade da comunicação e seus suportes tecnológicos, como as emissoras de TV, editoras de jornais e revistas, controladoras de portais de websites etc., enquanto desprestigia e desvaloriza o profissional que pensa, busca, organiza, traduz, dá a forma e promove, por fim, a difusão da informação, da mensagem, da imagem, do som, tornando a comunicação inteligível, acessível e absorvível por leitores, telespectadores, ouvintes ou internautas.
Ainda não consegui apreender o todo deste processo. Mas, posso já afirmar, concordando com pensadores como Antonio Gramsci, Pierre Bourdieu e mesmo com vários economistas contemporâneos, que a complexidade das relações da estrutura e superestrutura da sociedade formada ao longo dos séculos 19 e 20 exige, com cada vez mais urgência, a reelaboração de conceitos e paradigmas explicativos para a natureza dos problemas gerados pela incorporação, em super velocidade, de novas tecnologias, know-how e comportamentos sociopolíticos e culturais, originados por estas mesmas novidades. E que, nesta realidade que se impõe ao nosso viver cotidiano, o ser humano tem sido visto e entendido pelos capitalistas, cada vez mais, como peças descartáveis, de fácil substituição.
Nesse contexto, não é nenhum absurdo dizer que, nos conglomerados e empresas de mídia, o componente humano dos produtos informativos e comunicacionais de massa só continua sendo tolerado por não haver ainda tecnologia suficiente para a construção de robôs que o substituam com um grau minimamente aceitável de similaridade. Ao que parece, o cenário ideal sonhado pelo big-boss do business mídia é bem parecido ao imaginado pelos irmãos Andy e Larry Wachowski ao criarem a gênesis do mundo de Matrix, onde as máquinas tudo fazem enquanto a humanidade se deteriora.
Peso irrisório no faturamento
Para dar uma idéia da dimensão da disparidade entre o que faturam nos meios e o que se aplica nos profissionais da comunicação, basta verificar o volume de recursos canalizados para a mídia entre janeiro e novembro do ano passado. Segundo o site do projeto Inter-meios (www.intermeios.com.br), entre janeiro e outubro de 2004 passaram pelos caixas, apenas das empresas da Região Centro-Oeste, nada menos que R$ 660.686.004,00.
Para dar uma idéia mais precisa do que estas mesmas empresas destinaram aos profissionais que materializam seus produtos, tomamos por base o número médio estimado de profissionais jornalistas e publicitários residentes em Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul. Nos três estados, dados dos sindicatos destas categorias mostram que os comunicadores somam pouco mais de 3.500 profissionais.
Ainda segundo os sindicatos, o salário médio pago às categorias profissionais da comunicação no Centro-Oeste é de apenas R$ 1.087 por mês, isso tendo como base de cálculo os salários pagos aos profissionais tidos como ‘de ponta’, que recebem entre R$ 900 e R$ 1.500 mensais.
Se, grosseiramente, multiplicarmos isso pelo número de profissionais dos três estados, podemos dizer que estes recebem em conjunto, sempre pela média, R$ 3.804.500,00 por mês, o que dá um acumulado em 10 meses de pouco mais de R$ 38 milhões. Ou seja, os profissionais da comunicação receberam menos de 6% do faturamento bruto das empresas no período.
Somos trabalhadores
Do ponto de vista financeiro, os profissionais da comunicação, não apenas de Mato Grosso, mas de todo o país, vivem se equilibrando entre a pobreza e a miséria, tanto pelos salários irrisórios que são pagos quanto pela alta rotatividade e precarização dos vínculos empregatícios impostas pelas empresas. Isso explica, em parte, por que a qualidade dos conteúdos dos programas de notícias na televisão e no rádio e o conteúdo dos jornais e sites de notícias são cada vez menos confiáveis, superficiais e, não raras vezes, absolutamente inúteis para quem quer realmente se informar.
O problema da desvalorização acelerada dos profissionais da comunicação frente aos meios tecnológicos de difusão da informação, como vimos, é grave, tem causas variadas, mas, um só efeito: o violento e injusto empobrecimento e o desprestígio social dos comunicadores. E isso não pode e não deve perdurar. Não há fórmulas prontas para conter esse processo, mas há iniciativas básicas que, se tomadas o mais cedo possível, poderão ajudar, complementarmente, a desacelerar a deterioração das nossas profissões.
A primeira delas, ao meu ver, é uma efetiva conscientização dos profissionais da comunicação, tantos os que já estão no mercado quanto dos que estão se preparando para ele, de que fazemos, sim, parte de categorias de trabalhadores profissionais como inúmeras outras, e não somos de alguma casta de ‘gênios’ ou ‘artistas’ ungidos e escolhidos pelos deuses para sermos ‘únicos’ entre os ‘reles e iguais’ seres humanos.
Organização do mercado de trabalho
Sem espírito de corpo, não haverá força que proteja jornalistas e publicitários contra a exploração e a degradação do valor de seu trabalho pelos empresários da mídia. Que afinal, apenas fazem o que devem fazer para garantir e ampliar ad perpetum suas margens de lucro. Se estes profissionais não parar de considerar as ações corporativistas como algo do que se envergonhar, pouco se poderá fazer em seu próprio favor.
Só o fortalecimento dos sindicatos, das federações e, no caso dos jornalistas, a criação do Conselho Federal dos Jornalistas e de suas secções estaduais, poderá oferecer um sobre-fôlego e alguma condição de restabelecer o respeito por parte do patronato, permitindo o resgate do valor profissional e do prestigio social dos profissionais que, efetivamente, fazem os produtos informativos.
Outras medidas que reputo igualmente importantes são a busca constante do aprimoramento profissional pelos estudos formais e informais e a prática permanente e cotidiana do comportamento ético profissional. Os profissionais mais preparados técnica e intelectualmente, e que têm a ética da profissão como paradigma máximo para o exercício diário de seu trabalho, não só têm lugar destacado entre seus pares, como contribuem para a elevação do conceito da profissão ante a sociedade e inibem as práticas abusivas e subalternas das empresas de comunicação.
Além destas medidas acima, que são claramente de ordem comportamental, ou seja, precisam da vontade de cada um dos profissionais e futuros profissionais da comunicação para serem levadas a cabo, há outras de caráter mais institucional nas quais os sindicatos e a federação dos jornalistas devem empenhar-se ainda mais para implementar, a fim de assegurar um mínimo de organização do mercado de trabalho na área, como a luta pela manutenção da exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista e pela criação do Conselho Federal dos Jornalistas.
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Jornalista e presidente do Sindjor-MT