Na sua coluna semanal no Valor, o ex-ministro Antonio Delfim Netto envereda hoje pela seara da televisão pública – ou ‘televisão pública’: duvido que algum articulista da imprensa brasileira use tantas aspas quanto ele para qualificar palavras ou expressões, muitas vezes de forma obscura aos olhos do leitor comum.
Mas, ao que interessa. Primeiro, ele reconhece que a TV Brasil, transcrevo, ‘foi entregue a profissionais altamente competentes e de honestidade intelectual impecável’. Isto posto, sugere que ela nasceu do desconforto do governo com os efeitos eleitorais da informação politicamente orientada – ou ‘orientada’, no original.
Delfim acredita que esses efeitos são enormes. E recomenda aos céticos a leitura de uma, transcrevo, ‘extraordinária pesquisa empírica’.
Trata-se de ‘O efeito Fox News: o viés da mídia e os votos’, de autoria dos economistas – consagrados, segundo Delfim – Stefano Della Vigna e Ethan Kaplan. O trabalho foi publicado na edição de agosto do Quarterly Journal of Economics.
Como já sugere o título, os autores tentaram descobrir que diferença fez o acesso, a partir de 2002, ao canal a cabo Fox News, sob controle conservador – ou ‘conservador’, no original.
[Nesse caso, as aspas até que se justificam: conservador é eufemismo. A Fox, cujo sinal pode ser captado pelos assinantes da Net no Brasil, é o supra-sumo do direitismo na televisão americana.]
Comparando os resultados eleitorais para o Senado em 9.256 cidades, entre as eleições gerais de 1996 e as de meio de mandato de 2002, os pesquisadores verificaram que o crescimento da votação do Partido Republicano parece ter acompanhado nitidamente o nível de audiência do canal – de um mínimo de 3% a um máximo de 28%.
Delfim conclui que o estudo mostra que o viés – ou ‘viés’, no original – midiático tem consequência nas urnas, ou seja, na manipulação da sociedade.
É bem mais complicado do que isso, com todo o respeito pelo professor Delfim e pelos colegas que ele cita.
Em 1996, 24,9 milhões de eleitores votaram em candidatos republicanos para o Senado, o que deu ao partido um ganho de 1,4 milhão sobre o democrata, ou 2,8 pontos percentuais.
Em 2002, de fato, 21,4 milhões de eleitores votaram em candidatos republicanos para o Senado, o que deu ao partido um ganho de 6,6 milhões sobre o democrata, ou 6,6 pontos percentuais.
Efeito Fox News? Também, porém muito, muito mais efeito Onze de Setembro. Também por isso, a popularidade do presidente George W. Bush (eleito em 2000) estava na casa de 90%, um patamar sem precedentes na história americana.
Ao que se saiba, a Fox continuava no ar 24 horas por dia na eleição seguinte de meio de mandato, em 2006. Deu nisso:
33,1 milhões de eleitores votaram em candidatos democratas para o Senado, o que deu ao partido um ganho de 7 milhões sobre o republicano, ou 11,6 pontos percentuais.
Foi a primeira irrupção do efeito Iraque. Outra é dada como certa para o ano que vem, Fox News ou não Fox News.
E no Brasil? Se existiu o tal complô da mídia para impedir a reeleição de Lula, não serviu para nada. É provável que a cadeira vazia de Lula no último debate da Globo antes do primeiro turno e exibição no Jornal Nacional da dinheiramente apreendida pela Polícia Federal com os petistas aloprados do dossiê Vedoin tenham levado a disputa ao segundo turno.
Mas no vamos-ver, o viés midiático a que se refere Delfim no seu artigo de hoje, não impediu, além da estrepitosa vitória de Lula, com 58,3 milhões de votos (61% do total), que o tucano Geraldo Alckmin recebesse 2,4 milhões de votos a menos do que na rodada anterior.
Não me lembro de a mídia brasileira ter lulado entre uma votação e outra.