Contrariando a sucessão ininterrupta de más noticias sobre a crise na grande imprensa, começam a pipocar informações otimistas sobre a performance da chamada microimprensa, formada por jornais locais, comunitários e hiperlocais (bairro e rua).
O fenômeno, que está ocorrendo tanto nos países ricos como nos pobres, está delineando uma nova estratégia editorial baseada no foco comunitário e na convergência de canais de informação, visando o crescente mercado de leitores desiludidos com a grande imprensa.
Na Grã-Bretanha, o conglomerado de mídia Trinitiy Mirror, o quarto maior grupo de imprensa do Reino Unido, acaba de lançar 16 novos jornais hiperlocais gratuitos usando informações recolhidas por 22 sites de jornalismo online, também focado em pequenas comunidades, bairros e até ruas.
A grande originalidade da iniciativa do grupo Mirror é o inovador percurso inverso, da web para o papel, incorporando tanto notícias publicadas nas páginas web de jornais locais do conglomerado, como por sites de jornalistas independentes.
A concorrência pelo mercado hiperlocal no Reino Unido acirrou-se de forma dramática com a decisão da poderosa BBC (British Broadcasting Corporation) de criar, em 2008, nada menos que 60 páginas web de jornalismo comunitário e local para estimular a participação de leitores na produção de informações que depois serão veiculadas em emissoras locais e regionais da maior rede pública de televisão do mundo.
A BBC pretende usar o inovador sistema chamado geotagging (indexador geográfico), por meio do qual as informações serão organizadas automaticamente segundo um critério regional, local e hiperlocal.
Nos Estados Unidos, uma pesquisa da Associação Nacional de Jornais (National Newspaper Association – NNA) e do Instituto Reynolds de Jornalismo, da Universidade do Missouri, revelou que entre 2005 e 2007 houve um aumento do número de leitores e do tempo de leitura nos jornais locais – contrastando com a queda contínua das tiragens em jornais metropolitanos.
Segundo os dados da pesquisa, o número de leitores maiores de 18 anos que lêem semanalmente um jornal local aumentou de 81% para 83%. O compartilhamento de exemplares também subiu 2% no mesmo período (2005-2007), enquanto o tempo médio de leitura dos jornais comunitários subiu de 38 minutos para 41,8 minutos. E um terço dos leitores guarda o jornal durante seis dias, em média.
A pesquisa envolveu 100 dos oito mil jornais comunitários existentes nos Estados Unidos e mostrou que apesar do crescimento do número de leitores, em termos absolutos, a microimprensa norte-americana perdeu influência em termos relativos. Em 2005, os jornais locais eram a principal fonte de informação para 50% dos seus leitores. Em 2007, o índice caiu para 45,3%, assinalando uma migração para a internet (crescimento de 1,5%) e para a televisão regional (aumento de 4,6%).
Outro dado sintomático da mudança de comportamentos dos leitores norte-americanos: nada menos que 90% dos leitores pesquisados afirmaram que o público deve cobrar maior transparência dos governos locais por intermédio dos jornais comunitários. O aumento da participação cívica ocorreu paralelamente ao crescimento de 6% no acesso a sites comunitários (em 2005, 61% dos domicílios visitados pelos pesquisadores tinham acesso à Web).
Aqui no Brasil há uma falta crônica de dados detalhados sobre a imprensa comunitária. Não existe uma estimativa confiável sobre o número de jornais locais no país. Segundo Egydio Coelho da Silva , presidente da Associação de Jornais e Revistas de Bairro de São Paulo, circulam na cidade entre 150 a 200 jornais comunitários gratuitos, com uma tiragem global estimada em mais de 1 milhão de exemplares, o que equivaleria quase cinco vezes a tiragem média dos grandes jornais da capital.O dado não é preciso porque está baseado em informações dos proprietários, que tradicionalmente tendem a superestimar a circulação.
A microimprensa paulista está conseguindo sobrevier incólume à crise na indústria de jornais provocada pela migração de leitores, queda de publicidade e perda de receitas. Egydio revela que, nos últimos cinco anos, apenas um jornal comunitário deixou de circular em São Paulo por problemas financeiros, .
Os donos de jornais de bairro em São Paulo, a exemplo da quase totalidade dos seus colegas do resto do país, ainda esperam por patrocínios oficiais, mas a receita de sua sobrevida parece estar ligada à um novo comportamento dos anunciantes locais, que estão descobrindo as vantagens da publicidade comunitária.
O crescente fenômeno da microimprensa vai obrigar os empresários de jornais regionais e hiperlocais a uma mudança radical de estratégias editoriais, incluindo o abandono do personalismo, das verbas oficiais e do noticiário tipo fofocas ou denúncias baseadas em interesses pessoais, para adotar a produção colaborativa, a integração entre versões impressas e online, e dar prioridade à prestação de serviços e informações de interesse publico na agenda noticiosa do veículo.
Os casos de sucesso na Europa e Estados Unidos apontam nesta direção.
Correção:
No post Caso Second Life mostra como a sobrevida dos modismos na Web é cada vez mais curta, publicado em janeiro de 2008 cometemos um erro. Em vez de Cidade Virtual, como foi publicado, o certo é Cidade do Conhecimento. Pedimos desculpas pelo equívoco.