Até parece conversa de avô para neto, mas definitivamente não se fazem mais campanhas eleitorais como antes. O que mais surpreende na atual campanha é a ausência de conflito, é como se o eleitor fosse escolher entre seis e meia dúzia porque esta é a mensagem embutida na agenda que a mídia está levando para a opinião publica.
Até agora a imprensa tem se preocupado mais em mostrar o seu aparato tecnológico para cobrir um evento, o que para a população ainda não parece significar grande coisa. A competição real não parece ser entre os candidatos mas entre a TV Globo e suas concorrentes, da mesma forma que os jornais tratam de achar temas eleitorais que possam justificar aumento nas tiragens.
A imprensa parece adotar este comportamento porque sente que o eleitor está cada vez mais descrente na política convencional, ao mesmo tempo em que sabe que convém ficar bem com o próximo/a eleito/a ou pelo menos ampliar o seu cacife para futuras negociações com o/a novo/a presidente.
Os candidatos, pelo menos até agora, deixaram de lado a politização ou ideologização da campanha por dois motivos:
a) O grupo liderado pelo PT não quer dar elementos para ser chamado de esquerdista, chavista ou filo-comunista e por isto recorre à mesma estratégia “paz e amor” que lhe garantiu vitórias nas eleições de 2002 e 2006;
b) A coligação PSDB/DEM também evita o rótulo de conservador porque sabe que o eleitorado moveu-se para uma posição de centro-esquerda durante o governo Lula, por conta da política de distribuição de renda que favoreceu as classes C e D.
É importante fazer a ressalva do tempo, ou seja, o ‘até agora’, porque o espectro de uma derrota pode levar candidatos a uma radicalização desesperada e provavelmente também inútil. Mesmo se isto ocorrer, o fenômeno básico continua, isto é, a despolitização como um processo em marcha e aparentemente irreversível na campanha eleitoral.
Ele é a conseqüência de um desgarramento entre a máquina político-partidária do país e os eleitores. As siglas criaram um mundo próprio no qual o importante é agarrar-se ao poder como estrutura de perpetuação de interesses, fenômeno que contaminou o processo eleitoral transformando-o numa verdadeira dança de cadeiras.
Enquanto isto, o eleitor começou a dar-se conta que seus interesses reais se distanciaram cada vez mais da elite político-partidária e também da imprensa. A perda de interesse na campanha é uma conseqüência direta deste processo, que não é novo e já foi cantado em prosa e verso por inúmeros pesquisadores acadêmicos brasileiros.
Todo mundo sabe que numa eleição o grande protagonista é o eleitor, pois é ele que vai decidir, pelo menos é isto o que dizem os manuais da democracia. Mas o que prevalece de fato, há décadas, são o jogo dos políticos e a preocupação da mídia em transformar a disputa eleitoral numa corrida de cavalos.
Agora a grande atração é o jatinho da Globo e sua troupe de repórteres-celebridades. Causa embaraço ver William Bonner apresentar o Jornal Nacional de Macapá, tendo ao fundo uma multidão ululante, dando ao telejornal um ar de programa do Faustão ou um show de Roberto Carlos.
O fenômeno novo em tudo isto é o surgimento da internet como fator capaz de reverter este quadro. Capaz, porque ainda é tão somente uma alternativa, já que apenas 30% da população brasileira têm acesso ao ciberespaço e a cultura digital ainda está no jardim da infância. Mas o que a web já começa a mostrar é a emergência de dezenas de blogs, twitters, fóruns e comunidades sociais onde a presença da política é clara.
Se na mídia convencional acontece uma despolitização, na mídia alternativa digital ocorre o contrário. São os eleitores expressando os seus pontos de vista, geralmente de forma crua, passional e, às vezes, até agressiva. Quem for navegar, sem preconceitos, pela web vai verificar que não são poucos os blogueiros que se irritam contra o uso de ferramentas digitais por candidatos e partidos. É como se os blogueiros fossem donos da internet.
A mídia tem opções ao seu dispor para reencontrar a ligação com o público. A proposta do jornalismo cívico, desenvolvida nos Estados Unidos nos anos 1980 e 90, é uma ferramenta testada e capaz de ser adaptada a um contexto brasileiro. Ela é de uma simplicidade franciscana: em vez de promover shows para os marqueteiros de candidatos mostrarem as suas habilidades, bastaria convocar assembléias de bairros para que os moradores possam debater com os candidatos.