Dezessete jornalistas estrangeiros foram seqüestrados no Iraque em 2004. Todos foram libertados, com exceção do italiano Enzo Baldoni, morto em 26 de agosto. No dia 7 de janeiro, no tradicional encontro com a imprensa para os votos de Ano Novo, o presidente Jacques Chirac ‘desaconselhou formalmente’ jornais, televisões e estações de rádio a enviarem jornalistas ao Iraque. ‘No momento, a segurança dos correspondentes não pode ser garantida’, disse o presidente.
Fazia apenas dois dias que a jornalista Florence Aubenas, do jornal Libération, tinha desaparecido com seu guia e intérprete, Hussein Hanoun al-Saadi.
Era a primeira vez que Chirac abordava o tema. A França vivera quatro meses de suspense com o seqüestro (por 124 dias) dos jornalistas Christian Chesnot e Georges Malbrunot, soltos em dezembro, poucos dias depois da libertação do intérprete que os acompanhava. O final feliz foi fruto de uma mobilização global dos meios de comunicação, de políticos e da diplomacia francesa. Malbrunot, que trabalha para o jornal Le Figaro, desaconselhou o jornal a enviar novo correspondente ao Iraque. Pelo menos a Bagdá.
A recomendação de Chirac comporta uma leitura política. Significa que os Estados Unidos, potência ocupante, não detêm o controle do país, são impotentes diante da ação de grupos de resistentes (ou terroristas, como preferem alguns), que realizam seqüestros para fazer pressão política, e de bandidos, que seqüestram estrangeiros pelos milhares de dólares que podem obter como resgate, como no caso das duas jovens italianas libertadas no ano passado.
Solidariedade e crítica
Ninguém soube se o governo francês teve de pagar pela vida dos dois jornalistas franceses. O desenlace do seqüestro é segredo de Estado. Entrevistado num programa de televisão que tratava do caso Florence Aubenas, Malbrunot anunciou que está escrevendo um livro a quatro mãos com seu colega de cativeiro. Mas ninguém perguntou sobre resgate.
Enviar jornalistas a uma região de alto risco para cobertura de campo ou manter correspondentes que mal saem dos quartos de hotéis cinco estrelas de Bagdá é o grande dilema da imprensa francesa, mas também da inglesa e da americana. Como os franceses não querem cobrir a guerra embedded (integrados) a tropas americanas ou inglesas, como seus colegas anglo-saxões, acabam tendo de fazer a opção radical do tudo ou nada. Tudo é o risco total; nada seria a segurança das redações na França, repercutindo al-Jazira ou outras agências de notícias.
Se abdicasse totalmente da presença física no Iraque, a imprensa francesa seria, ela própria, refém de agências estrangeiras e abandonaria o terreno vencida.
Por isso, os jornalistas franceses resolveram ir contra a recomendação de Chirac. No dia 25 de janeiro, 42 diretores de publicações da mídia impressa, do rádio, da TV e de agências de imprensa se reuniram na sede do Libération para assinar um comunicado de solidariedade a Florence Aubenas e Hussein Hanoun. Na ocasião, alguns criticaram abertamente a recomendação de Chirac.
Objetivo: resgate
O texto diz o que pensam jornalistas do mundo inteiro: a liberdade dos jornalistas e de fotógrafos de TV, rádio ou da imprensa escrita é um ‘direito fundamental’. E esse direito deve ser defendido por todos, ‘a começar pelas autoridades e movimentos políticos de todos os países’. Uma discreta resposta a Chirac, marcando uma posição: os jornalistas defendem o direito de cobrir a guerra sem o risco de serem seqüestrados. Pois cobrir uma guerra já implica riscos que todos conhecem e aceitam. O problema é que eles não têm de quem cobrar uma segurança total, ou pelo menos mais eficaz.
Na reunião na sede do Libé surgiram diversas idéias para aumentar a segurança. Uma delas: que vários veículos de imprensa associem esforços para garantir o deslocamento dos jornalistas em Bagdá em carros blindados.
Num texto assinado no jornal L’Humanité, o diretor da redação, Pierre Laurent, disse que a imprensa francesa se recusa a ser reduzida ao silêncio, marginalizada. ‘A guerra do Iraque já foi objeto de mentiras demais para que agora nós abandonemos o terreno’.
Serge July, diretor do Libération, pensa que a ação deve ser política e diplomática, mas todos se sentem mergulhados num nevoeiro espesso. Ele confirma que no caso de Florence e Hussein a hipótese do seqüestro para pedido de resgate é a mais plausível.
Discrição, a regra de ouro
Uma apoio de peso na campanha pela libertação de Florence Aubenas e de seu intérprete veio do Parlamento Internacional dos Escritores. O texto assinado por três Prêmios Nobel, Elfriede Jelinek, Naguib Mahfouz e Wole Soyinka, além de Breyten Breytenbach, Antonio Tabucchi e Russell Banks, entre outros escritores, diz que todos apreciam o trabalho da grande jornalista que é Florence Aubenas. ‘Suas reportagens mostram um mundo complexo, muitas vezes opaco e freqüentemente violento, sem parti-pris, tendo como única preocupação dizer a verdade e tornar mais clara a realidade’.
Robert Ménard, diretor da organização Repórteres sem Fronteiras (www.rsf.org/), afirma que é importante uma campanha diária na mídia, pois foi a grande mobilização midiático-político-diplomática a grande responsável pela libertação dos dois jornalistas franceses em dezembro.
Onde estão Florence e Hussein pouco mais de um mês depois do desaparecimento? Para onde foram levados? Uma frase do primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin, outra do ministro das Relações Exteriores, Michel Barnier, na sexta-feira, dia 4 de fevereiro, levam à conclusão de que os reféns estão vivos e que há negociações.
Segundo o primeiro-ministro Raffarin, as informações de que dispõe mostram que se trata de um situação ‘muito diferente da enfrentada no caso Chesnot e Malbrunot’. E mais não disse. A discrição nesses casos é a regra de ouro para preservar a segurança dos seqüestrados.
No dia 4, uma italiana
Muito diferente em quê? Os seqüestros feitos por grupos de resistentes são imediatamente reivindicados, fitas de vídeo são enviadas com imagens dos reféns e há sempre uma mensagem política, pois a midiatização do episódio interessa aos seqüestradores e é mesmo o principal objetivo.
No caso de seqüestro feito por bandidos, não há contato, fita de vídeo, nenhuma pista. Os bandidos se protegem no silêncio: quanto menos barulho mais segurança. Por isso, as negociações devem ser feitas com total discrição.
Diariamente, não somente Libération, mas toda a mídia impressa e os jornais de televisão e rádio, lembram o número de dias que Florence e Hussein estão sumidos. Como um ritual.
Na sexta-feira, dia 4 de fevereiro, mais um seqüestro de jornalista em Bagdá vinha provar o enorme risco que correm todos os correspondentes nessa guerra do Iraque. A jornalista Giuliana Sgrena, do jornal comunista italiano Il Manifesto, foi seqüestrada pelo grupo Jihad Islâmica, que exigiu num site da internet a saída das tropas italianas do Iraque em 72 horas.
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Jornalista