Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Notícias de graça no metrô

Lisboa entrou no início deste ano definitivamente na rota dos jornais gratuitos com a chegada do diário Metro, propriedade da empresa sueca Metro Internacional, que publica 67 edições em 17 países, sobretudo europeus. Embora a primeira publicação do gênero tenha aparecido em Portugal em 1995, com o Jornal da Região, seguido em 2001 pelo Destak, a entrada dos suecos aliados ao grupo português Media Capital é a que traz de fato novidades ao mercado lusitano.

Primeiro, alavancou a venda de parte do capital do concorrente Destak ao grupo Cofina e garantiu a passagem do então semanário a diário, confirmando o interesse dos grandes grupos de mídia nacionais no negócio dos commuter newspapers. Depois, fez uma campanha de lançamento ruidosa. E trouxe um conceito novo para os gratuitos portugueses: a sua aparência. Descontando o reduzido número de páginas, é muito semelhante à dos títulos ditos tradicionais.

Os gratuitos são um fenômeno a estudar, avisam os especialistas. Segundo dados da Universidade de Amsterdã, em 2004, os jornais grátis estavam em 29 países e eram responsáveis por uma circulação diária de 15 milhões de exemplares, com uma audiência de 40 milhões de pessoas; e calcula-se que em 2005 cheguem aos 16 milhões de cópias. Isso ocorre ao mesmo tempo em que a circulação média mundial de jornais pagos decresce, assim como as suas vendas. E as edições eletrônicas se multiplicam (duplicaram entre 1999 e 2003).

Sem tempo

Algumas das perguntas que têm surgido um por pouco por toda a Europa são incômodas: estarão os dois fatos relacionados? Os tablóides gratuitos estão canibalizando os jornais tradicionais? Que tipo de efeitos sociais poderão ocorrer com a fragilização da imprensa clássica? Como ficam as democracias? É verdade que muitas dessas questões não aparecem por causa dos gratuitos. Já vêm de outros carnavais. ‘Se os jornais quiserem recuperar leitores, aumentar as vendas e captar publicidade têm que deixar de se preocupar com a imprensa gratuita ou fantasmas do mesmo tipo e mudar de orientação. Têm que fazer um jornalismo sério e competente e ter um corpo de colaboradores sério. Têm que se tornar críveis’, escreveu há poucas semanas um jornalista free-lancer português no site do Clube de Jornalista. E acrescentava argumentos com o declínio do francês Le Monde, que afirma-se vítima da sua versão eletrônica e do desinteresse dos jovens leitores. Na verdade, ninguém conhece a receita mágica.

O diretor-executivo da Metro Internacional, Pelle Törnberg, respondendo recentemente ao jornal Público, dizia que os jornais grátis têm contribuído para o crescimento do número de leitores de outros jornais, sobretudo jovens, e para o aumento da sua circulação. ‘Os leitores do Metro são maioritariamente pessoas que não estavam habituadas a ler jornais. O nosso objectivo não é competir com os jornais pagos, mas sim fomentar os hábitos de leitura’. Além de apresentarem um novo e eficaz modelo de negócio, não há, realmente, evidência de que estejam a tirar leitores aos jornais tradicionais. Pesquisas feitas na Bélgica, no Reino Unido e nos Estados Unidos, e divulgadas pelo centro de pesquisa sobre mídia da Universidade de Amsterdã, revelam que os seus leitores são realmente ‘novos’ ou lêem pagos e gratuitos; 50% lêem apenas os grátis.

Para provar o seu argumento, Pelle Törnberg informa que entre os seus anunciantes há muitos jornais conhecidos. Mas avisa que a indústria de jornais tem de se ajustar às novas tendências e modos de vida. O Metro tem geralmente 16 páginas e é feito para ser lido em 15 minutos. ‘As pessoas não têm tempo’, diz. E para os jornais pagos recomenda: ‘Invistam mais na qualidade e na exclusividade’.

Sem inquietação

Concha Edo, professora da Universidade Complutense de Madri, avaliando o fenómeno na Europa, acrescenta que ‘todos os dados indicam que os grandes grupos midiáticos não podem conter a avalanche da imprensa gratuita de informação geral, e mostram também as mudanças que estão ocorrendo nas audiências: não é difícil comprovar que os leitores jovens de jornais escasseiam e que diminui o número dos que acedem pagar por uma informação que, certamente mais ligeira e menos comprometida, pode ser encontrada grátis também na internet ou, com matizes diferentes, na televisão ou na rádio’.

A vulgarização do uso da internet parece estar a acelerar as mudanças nos jornais convencionais. Embora ninguém saiba ao certo a direção exata que essas alterações estão tomando. Sinais dessa indefinição: o tradicional vespertino londrino Evening Standard lançou em dezembro passado, para combater a perda de leitores e o sucesso do Metro local, uma edição matutina gratuita. O Lite Standard vive agora lado a lado com o seu irmão pago. Já na França, o Le Monde, na voz do seu diretor de relações internacionais, Daniel Vernet, diz ter atingido o limite na tentativa de buscar novos leitores e procura agora dar mais atenção aos princípios fundamentais do jornal. ‘Talvez nos tenhamos aproximado demais do que pensamos ser o lado da modernidade. Talvez tenhamos sido demasiado agressivos e devamos voltar a um outro equilíbrio.’

Os dois diários portugueses de referência, Diário de Notícias e Público, que contam com 4,4% e 5,3% de audiência de estudantes, ainda não deram sinais visíveis de inquietação. Até porque estão de certa forma habituados ao predomínio dos jornais mais populares com textos mais concisos e muitas imagens, como o são o Jornal de Notícias e o Correio da Manhã e tenham eles próprios vindo a reduzir nos últimos anos a extensão dos seus artigos. De qualquer forma, a novidade está aí. Agora vê-se muita gente lendo no metrô, onde também já há telões emitindo notícias e publicidade. Será que os utilizadores dos transportes públicos lisboetas conseguirão digerir tanta informação?

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Jornalista