Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O maior problema da Terra pode ser ainda pior

Com medo de parecerem ecochatos, os editores de Ciência dos maiores jornais e revistas só a conta-gotas publicam matérias sobre o que sem dúvida é o maior problema da Terra: o aquecimento global produzido pelo efeito estufa. É o aprisionamento na atmosfera do calor solar que se dissiparia naturalmente, não fossem as emissões colossais de gás carbônico resultantes do uso maciço de derivados de petróleo. Daí o nome gases estufa.

Mesmo na semana do primeiro aniversário da entrada em vigor do Protocolo de Kyoto contra o aquecimento global – sem que houvesse nada a comemorar, como assinalou a Folha – parece que faltou “vontade jornalística” para levar ao leitor as descobertas científicas mais recentes sobre a calamidade que “viaja na pista expressa” da Terra, para citar uma metáfora comum entre os pesquisadores.

Nenhum jornal brasileiro registrou, por exemplo, a descoberta de um especialista em paleoclimatologia [estudo da história antiga do clima terrestre] segundo o qual a atividade humana libera gases de estufa num ritmo 30 vezes mais veloz do que o das mesmas emissões que desencadearam um período de extremo aquecimento global, no passado do planeta.

Por isso, achei que era o caso de transcrever os principais trechos da matéria sobre o assunto, publicada no site americano de divulgação científica Physorg

Sei que não é a leitura pré-carnavalesca ideal, mas, ainda assim, lá vai, até por ser exemplo de jornalismo científico bem feito e acessível ao leitor medianamente preparado:

“As emissões que causaram esse episódio passado de aquecimento global provavelmente duraram 10 mil anos. Ao queimar combustíveis fósseis, provavelmente emitiremos o mesmo volume nos próximos três seculos”, diz James Zachos, professor de ciências da terra na Universidade da Califórnia em Santa Cruz.

Zachos apresentou suas descobertas esta semana na reunião anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS, na sigla em inglês) em Saint-Louis, Missouri.

Ele é um dos principais especialistas no episódio de aquecimento global no período paleoceno-eoceno, quando as temperaturas globais subiram 5 graus C. Essa mudança abrupta no clima terrestre ocorreu há 55 milhões de anos, em consequência de uma liberação maciça de carbono na atmosfera, sob a forma de dois gases estufa: metano e dióxido de carbono.

Estimativas anteriores falavam na emissão de 2 trilhões de toneladas de carbono, mas Zachos mostrou que mais do que o dobro disso – cerca de 4,5 trilhões de toneladas – pairaram na atmosfera durante 10 mil anos. Se a presente tendência se mantiver, o mesmo volume de carbono será emitido nos próximos 300 anos pela indústria e os veículos movidos a derivados de petróleo, explica Zachos.

A partir do momento em que o carbono penetra na atrmosfera, leva muito tempo até que os mecanismos naturais, como a absorção pelos oceanos e as mudanças na estrutura das rochas, removam o excesso de carbono do ar e o depositem no solo e em sedimentos marinhos.

O desgaste das rochas terrestres remove permanentemente do ar o dióxido de carbono, mas o processo é lento, requerendo dezenas de milhares de anos. O oceano absorve o dióxido de carbono muito mais depressa – porém só até certo ponto. O gás primeiro se dissolve na fina camada superficial da água, mas esta logo fica saturada, diminuindo a sua capacidade de absorver mais gás carbônico.

Apenas a mistura com as camadas oceânicas mais profundas pode restaurar a capacidade da superfície de absorver mais dióxido de carbono da atmosfera. Mas os processos naturais que misturam e fazem circular a água entre a superfície e camadas mais profundas do oceano funcionam muito devagar. Um completo ciclo desses leva de 500 a mil anos, informa Zachos.

As emissões de gases estufa que desencadearam o episódio no passado remoto da Terra conhecido como PETM [Paleocene-Eocene Thermal Maximum] inicialmente excederam a capacidade de absorção do oceano, permitindo o acúmulo de carbono na atmosfera.

Infelizmente, os humanos parecem adicionar dióxido de carbono ao ar em ritmo muito mais veloz: aproximadamente o mesmo volume de carbono (4,5 trilhões de toneladas), mas em poucos séculos em vez de 10 mil anos. O que foi emitido há 55 milhões de anos ao longo de um período de aproximadamente 20 ciclos oceânicos é agora emitido numa fração de um único ciclo.

“O ritmo com que o oceano absorve carbono logo diminuirá”, diz Zachos.

Não bastasse isso, é possível que temperaturas mais altas retardem o processo de mistura no oceano, reduzindo ainda mais a capacidade das águas de absorver dióxido de carbono. Daí resultaria um processo de realimentação que preocupa os climatologistas: menos absorção, mais dióxido de carbono deixado no ar, mais calor.

Temperaturas oceânicas mais elevadas também poderiam liberar lentamente volumes maciços de metano congelado em depósitos marinhos. Um gás de estufa 20 vezes mais potente que o dióxido de carbano, a presença acrescida de metano na atmosfera aceleraria ainda mais o aquecimento global.

Essa realimentação ou “efeito limiar” deve ter se feito sentir no passado, acredita Zachos, e isso pode se repetir. É possível que já estejamos nos estágios iniciais de uma mudança climática similar, afirma.

“Registros de mudanças climáticas passadas mostram que a transformação começa devagar e depois se acelera”, comenta. “O sistema atravessa uma espécie de limiar.”

Pistas sobre o que aconteceu antigamente jazem nos sedimentos das profundezas do mar, que Zachos e seus colegas vêm pesquisando. Composto principalmente de barro e conchas carbônicas de microplâncton, o sedimento se acumula lenta, mas constantemente – à razão de até 2 centímetros por milênio. A camada depositada no aquecimento do período paleoceno-eoceno conta uma história clara e convincente de mudança súbita e recuperação lenta.

As pesquisas de Zachos levaram-no a estimar que levou 100 mil anos depois daquele episódio até os níveis de dióxido de carbono no ar e na água voltarem ao normal. Essa descoberta é consistente com o que os geoquímicos têm previsto a partir de modelos que simulam a resposta do ciclo global de carbono a emissões de dióxido de carbono resultantes da queima de combustíveis fósseis.

“Levará dezenas de milhares de anos antes que o dióxido de carbono na atmosfera volte aos níveis anteriores à era industrial”, sustenta Zachos. “Mesmo que cessemos de queimar combustíveis fósseis, os efeitos das queimas acumuladas serão de longa duração.”

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