Uma carta, na Folha de hoje, do diretor-executivo de Jornalismo da Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel, me faz retomar o tema da nota de ontem, ‘Nosso objetivo se chama Jornal Nacional’.
Na carta, para contestar texto da coluna Toda Mídia, do jornal, Kamel informa que a TV Globo fez um acordo com os partidos. Pelo trato, ‘merecerão cobertura diária das atividades de campanha, em tempos rigorosamente iguais, os candidatos que tenham ao menos 5% nas pesquisas eleitorais, ou alternativamente tenham ao menos cinco deputados federais’.
O jornalista acrescenta que, portanto, os quatro candidatos que preenchem uma dessas duas condições ‘têm tido tempos rigorosamente iguais em todos os nossos telejornais, com a exceção de apenas dois dias, em que dois deles não tiveram atividades públicas’.
Isso é bom para a Globo, que demonstra equanimidade, e é bom para os candidatos, que têm espaço cativo no noticiário em pé de igualdade com os outros.
Mas, por estranho que possa parecer, eu me pergunto se é bom também para o bom jornalismo.
Bom jornalismo é o que dá às notícias destaque – tempo no ar, espaço na página – compatível com a sua relevância, conforme a avaliação dos editores, com base em critérios presumivelmente objetivos, embora não necessariamente incontestáveis, determinados pelo que se entenda ser interesse público.
Assim, é um breve contra os princípios elementares do ofício, por exemplo, dar ao candidato A, que naquele dia só falou abobrinhas e só fez as expressões corporais clássicas dos caçadores de votos (comer pastel na feira, abraçar velhinhas, beijar criancinhas e muitos etc) tempo igual ao candidato B, que naquele mesmo dia fez, digamos, pesadas acusações ao candidato C, ou tomou uma decisão de inegável impacto.
Com isso, some de cena o que os americanos chamam ‘valor de notícia’ – que é o que distingue os fatos de real importância daqueles que não ‘infloem nem contriboem’ e dos factóides, pseudo-fatos construídos pelos marqueteiros e consultores de mídia para parecerem autênticos.
Em consequência, a igualdade formal de oportunidade de acesso à TV acaba tendo o efeito perverso de confundir, logo desinformar, o espectador-eleitor, quando lhe faltam os filtros necessários para separar, do que lhe é dado ver e ouvir, o ouro da pirita.
É, mas de outro modo, dirá alguém, o que impediria a todo-poderosa Globo de privilegiar certo(s) candidato(s) em detrimento de outro(s)? Basicamente, o sistema de freios e contrapesos embutido na tomada de decisões editoriais numa rede que, por sua presença descomunal na mídia, é vigiada atentamente pela concorrência, pelos interessados em receber dela tratamento limpo, pela blogosfera – e pelo povo que não é bobo.
A Globo, ou qualquer outra emissora, pode, ou não, querer ajudar um candidato. Mas, se quiser, é mais provável que não o consiga, do que o contrário – mesmo cobrindo as suas andanças e falações pelos padrões convencionais do jornalismo político fora do período eleitoral.
A razão profunda disso é que nos últimos 20 anos o Brasil mudou mais – e para melhor – do que nós mesmos, brasileiros, conseguimos perceber no dia a dia. Não parece razoável imaginar que, desejando ou não, a Globo ousaria levar ao Jornal Nacional nesta eleição uma versão facciosa de um debate eleitoral que tivesse promovido na véspera, para afundar um candidato e elevar o outro às núvens.
***
Os comentários serão selecionados para publicação. Serão desconsideradas as mensagens ofensivas, anônimas, que contenham termos de baixo calão, incitem à violência e aquelas cujos autores não possam ser contatados por terem fornecido e-mails falsos.