Os jornais de quarta-feira (28/4) dão destaque à notícia vinda do Paraguai, segundo a qual dois brasileiros estariam envolvidos no atentado a tiros contra o senador Robert Acevedo, na cidade de Pedro Juan Caballero, que faz fronteira com Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. Os jornais ‘compram’ a tese de que os dois acusados seriam ligados à facção criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital (PCC), que estaria atuando em ligação com um suposto grupo guerrilheiro denominado Exército do Povo Paraguaio, e até com as Farc – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
De acordo com a versão geral apresentada pela imprensa, o atentado teria resultado de uma combinação de forças do narcotráfico internacional com grupos terroristas e o crime organizado que domina os presídios paulistas.
Há uma série de equívocos, mistificações e exageros no noticiário, e é preciso ler pelo menos três jornais brasileiros e a imprensa paraguaia para compor um quadro mais verossímil dos acontecimentos.
Confusão para o leitor
Em primeiro lugar, especialistas citados pelos jornais duvidam da própria existência de um grupo guerrilheiro no Paraguai. O chamado Exército do Povo Paraguaio não passaria de uma fantasia criada por políticos conservadores interessados em desestabilizar o governo daquele país.
Os atentados e sequestros cometidos em nome dessa organização seriam na verdade praticados por criminosos comuns.Uma rápida olhada nos arquivos de notícias sobre o Paraguai revela que não há registros confirmados de ações políticas de tal organização. Ela aparece do nada, alguns meses após a posse do presidente Fernando Lugo, em notas de alguns jornais, e a imprensa paraguaia trata o grupo como uma organização criminosa semelhante ao Comando Vermelho, que atua no Rio, e ao PCC, que concentra seu poder em São Paulo.
A mistificação e a politização do noticiário sobre as ações do crime organizado são de interesse de partidos conservadores e do próprio crime organizado.
A repetição da versão que dá a criminosos comuns o status de opositores ideológicos confunde o leitor e glamuriza a ação de bandidos, contribuindo para criminalizar movimentos sociais legítimos.
Bandidos comuns
Analistas citados pela Folha e pelo Estado de S.Paulo acham mais provável que os dois brasileiros presos tenham sido pagos por traficantes para matar Robert Acevedo. O próprio senador comenta, em entrevista, que fora avisado por um informante de que uma organização criminosa havia oferecido um prêmio de 300 mil dólares a pistoleiros para eliminá-lo.
Ainda assim, no corpo principal do noticiário os jornais insistem na existência do tal Exército do Povo Paraguaio, identificando-o como um grupo de guerrilha política. Trata-se de uma sigla usada por contrabandistas e traficantes que atuam no norte do Paraguai, em uma zona restrita onde o governo daquele país decretou recentemente estado de emergência por causa do aumento da criminalidade.
Apesar de o noticiário geral induzir o leitor a interpretar o acontecimento como uma ampla conspiração internacional envolvendo grupos guerrilheiros, detalhes publicados nos principais jornais deixam claro que se trata de uma ação criminosa comum.
Os dois brasileiros presos em Assunção e vinculados ao atentado contra o senador Acevedo são ex-presidiários, provavelmente ligados à organização conhecida como PCC. Teriam agido motivados pelo prêmio prometido pelos inimigos do senador, o que não reduz a gravidade dos acontecimentos.
Retalhos esparsos
A versão de que a tentativa de assassinato do político paraguaio teria resultado de uma ação conjunta de grupos guerrilheiros com o crime organizado não convence os especialistas citados pela imprensa.
Em vez de dar curso a teorias conspiratórias sem muito fundamento, os jornais poderiam se aprofundar na análise do verdadeiro e muito grave risco que representa, não apenas para o Brasil, a facilidade com que o crime organizado atua nas regiões de fronteira.
A existência de amplas regiões dominadas por criminosos é mais do que um problema policial – é questão de segurança nacional. Mas os jornais parecem ter perdido a capacidade de investigar. O noticiário, feito quase sempre de despachos de agências de notícias e opiniões de analistas, parece uma colcha de retalhos.