CAMPANHA
Lema de Serra ‘inspira’ vídeo comemorativo da Rede Globo
‘Vídeo comemorativo dos 45 anos da empresa buscou inspiração no mote da campanha do candidato tucano José Serra, ‘O Brasil Pode Mais’. Durante 30 segundos, artistas e jornalistas da Globo repetem variações sobre esse tema. Para jornalista Paulo Henrique Amorim, ‘deve ter sido uma retribuição ao agasalhamento do terreno que a Globo invadiu por 11 anos e o Serra transformou numa escola técnica para formar profissionais para a Globo’.
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O vídeo comemorativo dos 45 anos da Rede Globo que foi ao ar na noite deste domingo buscou inspiração no mote inicial da campanha do candidato tucano José Serra, ‘O Brasil Pode Mais’. Durante 30 segundos, artistas e jornalistas da Globo repetem sucessivamente os bordões: ‘Todos queremos mais’, ‘Brasil muito mais’, ‘Saúde, Educação, queremos muito mais’, ‘É por você que a gente faz sempre mais’. Outra referência direta à campanha de Serra é o 45, número do PSDB nas votações. Veja o vídeo e tire suas conclusões.Comentário do jornalista Paulo Henrique Amorim sobre a incrível ‘coincidência’: ‘Deve ser uma retribuição ao agasalhamento do terreno que a Globo invadiu por 11 anos e o Serra transformou numa escola técnica para formar profissionais para a Globo. Uma mão lava a outra. E cada vez ‘mais !’.
No final da tarde desta segunda, a Rede Globo decidiu suspender a campanha institucional dos seus 45 anos, para ‘não ser acusada de tendenciosa’, informou nota publicada no portal Terra. A nota assinala que o coordenador da campanha de Dilma Rousseff (PT) na internet, Marcelo Branco, criticou a mensagem subliminar da propaganda, acusando-a de inspirar-se no lema de Serra, ‘o Brasil pode mais’.
Na verdade, não se trata de uma acusação, mas sim de uma constatação. Basta ver e ouvir o texto do comercial e compará-lo com o discurso de Serra. Segundo a Globo, a propaganda foi elaborada em novembro de 2009, ‘quando não existiam candidaturas muito menos slogans’. Tanto pior. Uma vez que já há pré-candidaturas e slogans, a empresa, em nome da isenção que alega valorizar, deveria cuidar para que seus comerciais institucionais não se confundam com uma delas.
Os jornalões e os interesses de fora
A aliança dos jornalões não é só com os tucanos. É também contra o país: no debate nuclear, como em outros, o governo Lula defende nossos interesses e a mídia fica com os de fora. Nas primeiras páginas da ‘Folha’, Estadão e ‘O Globo’ a foto de ministro brasileiro presenteando o vilão Ahmadinejad com a camisa da seleção encantou os editorialistas. Como desprezam os interesses nacionais, eles festejam as leis extraterritoriais criadas nos EUA para intimidar e punir países que divergem de suas posições. O artigo é de Argemiro Ferreira.
Argemiro Ferreira
O primeira reação de muitos leitores que viram as manchetes idênticas, dia 14, na ‘Folha de S.Paulo’ e no Estadão (a primeira página de ‘O Globo’, mesmo sem a manchete, coincidiu no enfoque e na foto) foi recordar a peça de propaganda do tucano Geraldo Alckmin na campanha eleitoral de 2006 – o pacote de dinheiro nas primeiras páginas, exposto de norte a sul do Brasil.
Daquela vez o truque sujo adiou a decisão do eleitorado para o 2˚ turno – no qual Alckmin acabaria com menos votos do que no 1˚. Agora a ‘coincidência’ funciona como alerta para truques futuros. Mas a aliança dos jornalões não é só com os tucanos. É também contra o país: no debate nuclear, como em outros, o governo Lula defende nossos interesses e a mídia fica com os de fora.
Jornalões, revistonas e penduricalhos (Rede Globo à frente) apoiam-se no estereótipo iraniano fabricado por eles próprios. O presidente Ahmadinejad é baixo, magrelo e feio. Não está em questão a aparência dele e nem o holocausto – que reconheceu ter ocorrido, mesmo lembrando que os mortos na II Guerra foram 60 milhões e não apenas os 6 milhões de judeus.
O expediente de produzir o vilão e a partir dele demonizar um país inteiro para invadi-lo e tomar-lhe o petróleo – como foi em 1953 no próprio Irã (de Mossadegh) e em 2003 no Iraque (de Saddam) – começa com difamação e sanções. Armas de destruição em massa foram o pretexto dos EUA para invadir o Iraque. Armas que sequer existiam, como não existe a bomba-A do Irã.
Ao invés de sanções a política externa do Brasil prefere o apelo sensato à negociação. Afinal, o Iraque foi arrasado pelas bombas dos EUA e viu um milhão de civis (segundo estimativas) serem mortos. E lá as sanções, que puniram mais as crianças do que o governo, foram o capítulo inicial. Hoje a acusação dos EUA é que o Irã pode vir a ter uma bomba – em cinco anos.
Seria situação menos ameaçadora do que o arsenal nuclear de 100 bombas que o estado de Israel já tem, sem nunca ter assinado o TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear). A exemplo dos israelenses, Índia e Paquistão negaram-se a aderir ao TNP e já têm armas nucleares – não tantas como Israel, mas prontas para serem usadas numa guerra entre os dois.
E onde entra o Brasil nesse quadro? Assinou e cumpre o TNP, não tenta desenvolver a bomba (mesmo tendo condições para isso), proclama em sua Constituição que não o fará e ainda assinou pactos (um bilateral, com a Argentina; e outro regional, com a América Latina) nesse sentido. Mas sofre cobrança dos EUA, que descumprem o TNP e se arvoram em xerife nuclear.
O TNP não lhe confere tal autoridade. Ao contrário: manda os detentores de armas atômicas reduzirem os arsenais até sua eliminação completa. Os acordos EUA-Rússia só aposentam armas obsoletas, logo substituídas pelas modernas, sofisticadas e portáteis, que tornam mais provável o uso. (Até hoje um único país usou a bomba-A – duas, em Hiroshima e Nagasaki, contra populações civis e não instalações militares).
Nas primeiras páginas da ‘Folha’, Estadão e ‘O Globo’ a foto de ministro brasileiro presenteando o vilão Ahmadinejad com a camisa da seleção encantou os editorialistas. Como desprezam os interesses nacionais, eles festejam as leis extraterritoriais criadas nos EUA para intimidar e punir países que divergem de suas posições, seja em Cuba ou no Irã.
Em janeiro do ano passado a mídia corporativa já criticava o destaque dado na Estratégia Nacional de Defesa, anunciada então pelo governo Lula, ao desenvolvimento da energia nuclear. Os jornalões prestavam-se claramente ao papel de veículo da pressão do governo Bush em fim de mandato – um ‘pato manco’ agonizante, golpeado ainda pela derrota eleitoral humilhante.
Os mesmos veículos ansiosos para anistiar os crimes da ditadura (de que foram cúmplices e beneficiários) viam – e ainda vêem – com suspeita o compromisso dos militares brasileiros com a democracia e a defesa dos interesses nacionais. O faroeste midiático na época ainda buscava legitimar a superpotência invasora do Iraque no papel insólito de guardiã da paz e do desarmamento.
Essa mídia não costuma ter dúvidas, só certezas. Condena a resistência do Brasil em aderir ao protocolo adicional ao Acordo de Salvaguardas do TNP e atribui a culpa a militares obcecados em ter a bomba-A. Não leva em conta que a questão do desenvolvimento nuclear está longe de ser simplista como sugere o cacoete de um jornalismo aliado aos interesses externos.
Países sem armas nucleares sofrem restrições nas pesquisas – punidos por assinar o TNP. Índia, Paquistão e Israel, por ignorarem o TNP, têm suas bombas-A e são paparicados e privilegiados com acordos especiais. Em 1997-98 essa mesma mídia aplaudiu FHC por sujeitar-se à pressão dos EUA e aderir ao TNP, enquanto o Iraque sob sanções era acusado de ter a bomba – sem tê-la.
Depois do TNP os EUA passaram ainda a exigir que nós, os ‘sem bomba-A’ (ou ‘have nots’, em oposição aos ‘haves’) assinássemos o tal protocolo adicional, que amplia as restrições, os controles e as inspeções. Inexistente antes, o protocolo teria de ser negociado com cada signatário do TNP, nunca imposto pelos EUA.
Os ‘sem bomba’ sofrem limitações nas pesquisas, que a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) faz cumprir com inspeções. O compromisso do Brasil é com o uso pacífico da energia atômica. Defende o desarmamento nuclear e é reconhecida sua tradição pacífica. Mas não pode abrir mão da tecnologia nuclear e da necessidade estratégica de desenvolvê-la e dominá-la.
Em 2004 a ‘Folha’ não hesitou em propor rendição singular, a pretexto de ser ‘transitória’ a existência de países com e sem a bomba: o Brasil devia aderir ao protocolo adicional, ‘como uma decisão soberana’, e ao mesmo tempo ‘pedir’ avanços pelo desarmamento. Ora, os que apóiam o protocolo são pouco mais de 80 dos 190 que assinaram o TNP. A maioria, assim, percebe a ameaça dos EUA de eternizar seu arsenal ‘transitório’.
Há ainda os interesses comerciais: em 2001 o crescente mercado mundial de urânio enriquecido já movimentava US$18 bilhões. Dono da 5ª maior reserva natural de urânio, o Brasil tem tecnologia própria de centrifugação, desenvolvida por seus cientistas ao longo de 30 anos. Para preservá-la protege com painéis, nas inspeções da AIEA, a sala das centrífugas na Fábrica de Combustível Nuclear da INB, em Resende.
Os interesses dos detentores de arsenais nucleares, claro, são diferentes daqueles dos ‘sem bomba’. A hipótese de espionagem industrial nas inspeções da AIEA não pode ser subestimada mas a proteção da tecnologia inovadora do Brasil foi descartada pela ‘Folha’ com a alegação de que os EUA não precisam disso porque dispõem de sua espionagem ‘clássica’.
Antes da invasão do Iraque, no entanto, a CIA usava a equipe de inspeção da ONU (UNSCOM) – chefiada pelo sueco Rolf Ekeus até 1997 e depois pelo australiano Richard Butler (1998) – para espionar. O inspetor Scott Ritter, ex-fuzileiro dos EUA e veterano da guerra do Golfo, acusou os dois de tolerarem o jogo da CIA, permitindo a espionagem nas inspeções.
Na mesma linha do editorial da ‘Folha’, o do Estadão, dias depois, negou haver razão que justifique a não adesão ao protocolo adicional. Alegou ser do interesse do Brasil ratificar o compromisso com o desenvolvimento pacífico da energia atômica e ‘evitar atritos’ com as potências empenhadas em impedir a proliferação nuclear. (E a FCN? E o mercado de urânio?)
Meses depois dos editoriais, o secretário de Estado de Bush, Colin Powell, ouviu no Brasil a explicação do ministro Celso Amorim sobre a proteção da tecnologia desenvolvida por nossos cientistas. E minimizou, ao falar à ‘Veja’, o que ‘Folha’ e Estadão maximizaram: o Brasil não preocupava os EUA e nem devia ser comparado a Irã e Coréia, apesar dos ‘desacordos momentâneos’ na AIEA.
Ao voltar ao ataque a 9 de janeiro de 2009, a ‘Folha’ publicou matéria do chefe da surcusal de Brasília, Igor Gielow. ‘Os EUA cobraram ontem a adesão do Brasil ao chamado protocolo adicional’, dizia o texto. Não ficou claro se a ‘cobrança’ era iniciativa americana, usando a ‘Folha’, ou se viera por acaso, premiando alguma solicitação de entrevista do jornal.
O entrevistado era o embaixador Gregory Schulte, que representava os EUA não no Brasil mas na AIEA e outros organismos sediados em Viena. Gielow omitiu (de propósito?) se o diplomata respondera a perguntas, se falara em Brasília (estaria ali por alguma razão?), se a entrevista fora por telefone ou se mandara respostas por email a perguntas enviadas a Viena.
Como o próprio jornalista caracterizara a entrevista como ‘cobrança’ dos EUA, seria oportuno informar como tinha ocorrido – por telefone, cara-a-cara, troca de emails ou qualquer que tenha sido a situação. Teria sido uma tentativa de intimidação? Afinal, a dupla Bush-Cheney, derrotada, vivia seus últimos momentos – a apenas 12 dias do final do mandato.
No relato insólito da ‘Folha’ Schulte cobrava a adesão do Brasil a pretexto de que ‘os EUA aderiram’. Mas o protocolo adicional ao Acordo de Salvaguardas (artigo III do TNP) só é aplicável (e impõe obrigações) aos ‘sem bomba’. Para os EUA a adesão não prevê inspeções – que são compulsórias para os ‘sem bomba’. Estes têm de aceitá-las. Cabe à AIEA decidir o que inspecionar, como e onde.
Blog de Argemiro Ferreira’
DIREITO À COMUNICAÇÃO
Paulo Freire, direito à comunicação e PNDH3
‘Treze anos depois de sua morte, talvez nem mesmo Paulo Freire imaginasse que continuássemos de tal forma atrasados em relação a um direito tão fundamental para a pessoa humana como o direito à comunicação.
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Na verdade, a edição americana do ‘Pedagogia do Oprimido’ foi a primeira de manuscrito concluído em 1968, no exílio chileno, que só veio a ser publicado no Brasil, pela Paz e Terra, em 1974, durante os anos de ‘abertura lenta, gradual e segura’ do general Ernesto Geisel. O livro já havia saído em inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, grego, holandês e em Portugal. Desde então, foi publicado em sucessivas edições em todo o planeta e continua sendo objeto de estudos em disciplinas tão diversas como, por exemplo, teologia e teatro.
Direito à comunicação
Além de ser a obra mais significativa do pensamento de Freire, ‘Pedagogia do Oprimido’ apresenta uma síntese da teoria da comunicação dialógica, inicialmente desenvolvida no ensaio ‘Extensão ou Comunicação?’, [original de 1968, publicado no Brasil em 1971], que assenta as bases para o que se tornaria o conceito de direito à comunicação.
Freire recorre à raiz semântica da palavra comunicação e nela inclui a dimensão política da igualdade, a ausência de dominação. Para ele, comunicação implica um diálogo entre sujeitos mediados pelo objeto de conhecimento que por sua vez decorre da experiência e do trabalho cotidiano. Ao restringir a comunicação a uma relação entre sujeitos, necessariamente iguais, toda ‘relação de poder’ fica excluída. O próprio conhecimento gerado pelo diálogo comunicativo só será verdadeiro e autêntico quando comprometido com a justiça e a transformação social. A comunicação passa a ser, portanto, por definição, dialógica, vale dizer, de ‘mão dupla’, contemplando, ao mesmo tempo, o direito de ser informado e o direito à plena liberdade de expressão.
As implicações do conceito articulado por Freire 40 anos atrás representam hoje um direito à comunicação que garanta a circulação da diversidade e da pluralidade de idéias existentes na sociedade, isto é, a universalidade da liberdade de expressão individual. Essa garantia tem que ser buscada tanto ‘externamente’ – através da regulação do mercado (sem propriedade cruzada e sem oligopólios; priorizando a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal) – quanto ‘internamente’ à mídia – através do cumprimento dos Manuais de Redação que prometem (mas não praticam) a imparcialidade e a objetividade jornalística. E tem também que ser buscada na garantia do direito de resposta como interesse difuso, no direito de antena e no acesso universal à internet, explorando suas imensas possibilidades de quebra da unidirecionalidade da mídia tradicional pela interatividade da comunicação dialógica.
PNDH3 e autoritarismo
Enquanto a obra e o pensamento de Freire são celebrados no exterior, na sua terra, a terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, em particular, a única diretriz que propõe um conjunto de ações para implementar o direito à comunicação, sofre um processo de satanização por parte da grande mídia. É como se a proposta representasse o derradeiro passo antes do autoritarismo e do conseqüente fim das liberdades no país.
Treze anos depois de sua morte, talvez nem mesmo Paulo Freire imaginasse que continuássemos de tal forma atrasados em relação a um direito tão fundamental para a pessoa humana como o direito à comunicação.
No Brasil, os grupos dominantes ainda consideram que liberdade de expressão é igual a liberdade de imprensa e que esta é aquela que apenas algumas famílias, muitas vezes vinculadas a oligarquias políticas regionais e locais, desfrutam. Qualquer proposta que tente alterar este estado de coisas é, no mínimo, acusada de autoritária e stalinista.
Afinal, quem o verdadeiro e único sujeito do direito à comunicação? Tristes tempos.’
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