Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O príncipe e o rei







 

Aguardo, com alguma ansiedade, o desmentido do ex-presidente Fernando Henrique à reportagem “FHC e Severino articulam derrotas de Lula”, de Kennedy Alencar, na Folha de S.Paulo deste domingo.


 


A matéria informa que em um encontro reservado, há uma semana, em São Paulo, Fernando Henrique e o deputado Severino Cavalcanti “fecharam acordo a fim de derrotar Lula no Congresso e enfraquecer o governo e o PT para as eleições de 2006”.


 


Mais: “O tucano já havia trabalhado pela eleição do pepista para presidente da Câmara, quando interveio nos bastidores para impedir que o PSDB apoiasse o candidato de Lula, Luiz Eduardo Greenhalgh.”


 


Em 26 de fevereiro, Alencar tinha escrito que desde a derrota de Greenhalgh “Lula e seu estado-maior avaliam que FHC é o maior articulador nos bastidores de ações para minar o petismo”. A informação valeu ao repórter duras críticas no blog tucano e-agora.


 


Outros jornalistas, ao revolver os bastidores da eleição de Severino, também identificaram as digitais do ex-presidente numa parte das cédulas que alçaram o nepotista de João Alfredo à condição de terceiro hierarca da República.


 


Em 23 de fevereiro, em artigo intitulado “Do ethos tucano ao voto severino”, comentei no Estado de S.Paulo que estava caracterizada “a contribuição do PSDB, a começar do ex-presidente Fernando Henrique, para o desfecho da disputa que deixou um gosto amargo na boca de todos quantos são capazes de avaliar o retrocesso que escorre desse resultado”.


 


Em 17 de março, o Estadão citou em editorial o apoio de FHC a Severino como exemplo do ponto a que chegou a competição política. “Os impulsos mutuamente destrutivos (entre os partidos) estão passando da conta”, advertiu o jornal, que sabidamente não morre de amores pelo governo – ressalvada a política econômica -, muito menos pelo PT.


 


Nesse dia, ouvi do ex-presidente que nem ele, nem o PSDB apoiaram Severino na primeira votação, mas o candidato do PFL, José Carlos Aleluia. Depois, interpretou FHC, “foi o estouro da boiada”. Ele negou enfaticamente que tivesse aconselhado quem quer que fosse a votar em Severino, no segundo turno, já de madrugada. Suas palavras: “Eu nem acompanhei a votação pela TV. Estava dormindo.”


 


Diante da observação de que ele nunca havia desmentido reportagens ou artigos que falavam do seu alegado engajamento em favor do deputado do PP, respondeu, primeiro, que “se fosse desmentir tudo que sai de errado nos jornais…”, deixando a frase incompleta; e, segundo, que não tivera conhecimento de alguns desses textos porque saíram quando estava no exterior.


 


FHC enviou ao Estado uma carta de alentadas 360 palavras, publicada no dia seguinte. Nela, sustenta que teve “participação muito indireta” na eleição na Câmara. Conta que “algumas semanas antes” Severino lhe telefonou para dizer que se considerava praticamente eleito e gostaria de contar com votos tucanos. “Confesso que não achei possível, àquela altura, que isso ocorresse”, escreveu Fernando Henrique. “Viajei para o exterior e, não estando acompanhando o dia-a-dia da política partidária, despreocupei-me do assunto.”


 


Depois de mencionar outras conversas – nenhuma com Severino – antes e depois da viagem e de discorrer sobre o significado da sua eleição, colocou em letra de forma o que havia falado: “Eu próprio dei margem à interpretação acolhida pelo editorial, pois não esclareci versões anteriores sobre minha ação, seja porque estava fora do Brasil ou porque algumas me pareceram tão despropositadas, como uma eventual aliança com o ex-governador Garotinho, que achei melhor calar.”


 


A propósito, nas últimas semanas, a imprensa deu que Fernando Henrique e Garotinho vêm se encontrando.


 


A carta levou um leitor a comentar, em privado, que ela lhe lembrava Shakespeare, quando faz Gertrude, rainha da Dinamarca e mãe de Hamlet, dizer “The lady doth protest too much, methinks”, sugerindo que o ex-presidente se explicava demais, deixando, por isso mesmo, margem a dúvidas.


 


A ver, agora, se e como ele reagirá às informações sobre a parceria entre o príncipe da sociologia e o rei do baixo clero.

O ex-presidente ainda não, mas o deputado desmentiu nesta segunda-feira o acerto. Severino disse que a última vez que se encontrou com FHC foi na viagem para os funerais do papa e que não tem falado com ele ‘nem por telefone’.