Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mundo digital atropela revistas de História

Nos países ditos desenvolvidos, revistas periódicas de História dirigidas a um público não especializado nasceram pouco antes ou pouco depois do advento do cinema. No Brasil, um século depois. Foi só há três anos que o jornalista Alfredo Nastari ouviu uma sugestão de Alberto Dines e criou na Editora Duetto a revista História Viva, da qual é diretor geral. Na mesma época nascia sua principal concorrente, Nossa História, então editada pela Biblioteca Nacional e hoje pertencente à Editora Vera Cruz. O início é, portanto, recente. Mas tudo deverá mudar logo. O advento do hipertexto e da internet cobram mudanças aceleradas.


‘Nos Estados Unidos, um jovem na faixa de 14 a 22 anos gasta hoje meia hora por semana lendo revista e praticamente três horas e meia por dia navegando na internet’, diz Nastari. ‘O grande desafio das revistas é deixarmos de ser editores de papel para nos transformarmos em editores de conteúdo em diferentes plataformas de mídia. É evidente o aumento da demanda do nosso leitor por informação que vai além da revista. Ele quer informação em tempo real na internet, quer participar de eventos, quer uma dinâmica maior na informação do que uma revista pode dar’.


Mas no Brasil a ameaça imediata às revistas de História não vem da internet. Vem do que seria um inchaço do segmento de mercado em que elas se situam.


‘Quando o Dines me fez a sugestão, havia na Europa no mínimo dois ou três títulos fortes por país, com circulação significativa, ainda que sem publicidade. Talvez esse seja o limite do mercado’, estima Nastari.


A máquina de assinaturas da Abril


Ele conta a evolução. Depois da História Viva e da Nossa História – cujo diferencial era ser feita a partir dos arquivos da Biblioteca Nacional, o que hoje cabe à Revista de História da Biblioteca Nacional -, a Superinteressante, da Editora Abril, lançou edições especiais chamadas Aventuras na História, dirigidas a um público jovem. Isso foi feito mediante linguagem chamativa e ‘menor rigor historiográfico’, avaliar Nastari.


‘Num primeiro momento, em 2004, História Viva e Nossa História iam muito bem e Aventuras na História tinha uma trajetória um tanto precária’, relata o jornalista. ‘Mas a imbatível máquina de venda de assinaturas da Abril inverteu essa situação’. As duas revistas se ressentiram. Nossa História ainda passou por um conflito’ [que provocou o surgimento da Revista de História da Biblioteca Nacional].


Na opinião de Nastari, ‘existem hoje três revistas profissionais de História e um mundo de caça-níqueis, produtos de editoras que foram na esteira das outras’.


Segunda Guerra, imagens de Hitler


O jornalista diz que a Segunda Guerra Mundial é, em particular, um tema de sucesso garantido. Nastari reconhece que se usam em capas imagens apelativas, entre elas fotografias de Adolf Hitler e o desenho da suástica. Volta e meia aparecem nas bancas. ‘É uma apologia subliminar do nazismo, um flerte com um público que não é o nosso’, critica.


O jornalista anota apenas um momento em que Hitler aparecer numa capa da História Viva: foi numa montagem para dividir o espaço com a figura de Joseph Stálin, usada para ilustrar um material sobre o pacto germano-soviético de 1939. ‘Um evento muito surpreendente, que deixou os comunistas sem discurso’, argumenta.


A maior tiragem foi a do número 6, sobre Tróia, que coincidiu com a estréia do filme nos cinemas: 45 mil exemplares. História Viva chegou em agosto ao número 35. Mas se tivesse dependido apenas das edições regulares, não existiria mais. ‘Há atualmente uma overdose e uma queda-de-braço no mercado, que não comporta tantos títulos’, afirma Nastari. ‘Além das três revistas profissionais, há quatro ou cinco feitas por franco-atiradores. Alguns chegam a baixar textos da internet, dar um tapinha e tocar em frente’, queixa-se.


Mais edições, tiragem menor, preço maior


O mercado, no caso, não é apenas o das revistas de História, mas o das revistas ligadas ao conhecimento, como as denomina Nastari, de interesse geral, que inclui títulos como National Geographic, Superinteressante e Galileu. Ele faz as contas: em 2002, esse segumento teve 150 lançamentos, com tiragem média de 27 mil exemplares. E, em 2005, o mesmo grupo chegou a 360 lançamentos, com tiragem média de 11 mil exemplares. Queda de quase 4% (de 4.050.000 para 3.960.000 exemplares). Com isso, o preço da História Viva, por exemplo, que era de R$ 7,90 em 2004, está em R$ 10,90. Uma barreira à ampliação do público.


As edições regulares da História Viva – 8 mil assinantes e 18 mil exemplares vendidos em banca, total de 26 mil – deixam a revista em situação ‘quase deficitária’, revela Nastari. O que dá lucro são os números especiais. Nas bancas, hoje, está o ‘Mar Português – Epopéia de um pequeno país europeu que iniciou no século XV a globalização’.


A distribuição segue o padrão geral brasileiro, com uma singularidade: as revistas de História vendem mais no Rio de Janeiro do que em São Paulo. Para Nastari, isso ocorre porque o Rio ‘transpira História’. Não deixa de ser verdade, mas cariocas mais céticos poderão ver o fenômeno com olhar menos otimista.


O jornalista está convencido de que a revista está no caminho certo:’Queremos qualidade. Temos uma série de projetos para tornar a História Viva o grande referencial de revista de História. Mas a maior indagação futura não se relaciona exatamente com a qualidade do conteúdo e do tratamento gráfico. ‘Entrar no mundo digital é cada vez mais premente’, diz Nastari. ‘As revistas continuarão, embora as bancas estejam entrando em colapso por excesso de quantidade, que implica nenhuma visibilidade. Mas não é possível ignorar que o leitor quer mais do que a revista impressa’.


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