A (im)parcialidade do noticiário da ofensiva de Israel em Gaza tem sido nesses dias o inevitável assunto dos ombudsmans da imprensa em muitos países. O “editor público” do New York Times, Clark Hoyt, por exemplo, dedicou a isso a sua coluna do domingo, 12.
Mais uma vez, escreve, o jornal foi apanhado num fogo cruzado familiar, recebendo de todos os lados acusações de fazer uma cobertura facciosa e errônea.
Nessas situações, os órgãos de mídia atacados costumam dar-se por satisfeitos: se todos, a começar dos antagonistas, se queixam, é o argumento, é sinal de que devemos estar fazendo a coisa certa.
Não necessariamente, rebate Hoyt. Mas neste caso, é bem possível. “Diante do complexo e intratável conflito entre Israel e os palestinos”, resigna-se, “mesmo o melhor e mais equilibrado noticiário deixará de satisfazer aos que se alinham apaixonadamente com uma ou outra parte”.
A intensidade das críticas não surpreende. Hoyt cita o diretor da faculdade de jornalismo da Universidade Columbia, Nicholas Lemann. “Não é só uma guerra”, ele comenta. “É uma guerra de mídia. Fora da região do conflito, as opiniões são talhadas pela cobertura da imprensa.”
É também a visão do jornalista Phillip Knightley, autor do clássico sobre guerra e jornalismo que remete à frase famosa de um senador americano, em 1918, para quem “a primeira vítima da guerra é a verdade”.
Numa entrevista à Folha, também no domingo, perguntado sobre a eficiência da máquina de propaganda israelense, Knightley responde: “É claro que funciona. A repetição, de modo profissional e sem recuo, acaba por fixar a idéia [de que toda nação tem o direito de se defender e é isso que Israel está fazendo]. E as pessoas acabam por acreditar, como se se tratasse apenas disso.”
Hoyt e Lemann – assim como incontáveis outros observadores – estão certos de que as pessoas tomam partido em relação aos acontecimentos em Gaza a partir dos relatos da mídia, que podem ser influenciados pela propaganda ou simplesmente dar vazão a ela.
É isso? Ou será que o público, em quase toda parte, apenas tira do noticiário elementos que sirvam para confirmar opiniões já formadas sobre o conflito israelense-palestino? Opiniões amplamente favoráveis a Israel, no caso dos Estados Unidos. Ou amplamente desfavoráveis, na Europa e em outras paragens.
Em regra, percepções e juízos de valor estão consolidados. Seria de surpreender se não estivessem, passados – para não ir mais longe – 40 anos da irrupção que definiu a topografia do horror no Oriente Médio, a Guerra dos Seis Dias, de 1967.
O ponto de inflexão foi mais recente, no entanto. As simpatias internacionais que Israel tinha acumulado na condição de vítima de abomináveis atos terroristas – como os dos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, sequestros de aviões e atentados suicidas contra civis em seu território – foram dramaticamente abaladas pela cobertura da repressão sem precedentes à população civil palestina nos territórios ocupados, durante a segunda intifada (levante), que estalou em setembro de 2000, a partir de uma provocação do então lider oposicionista Ariel Sharon (com sua “visita” a um local sagrado para os muçulmanos em Jerusalém).
A imagem que se fixou inicialmente foi a da morte, a tiros, de um garoto palestino de 12 anos, Muhammad Durrah. Ela acabaria “superada” pelas cenas do brutal assalto militar israelense à Cisjordânia, com o bombardeio e o cerco da sede da Autoridade Palestina, então presidida por Yasser Arafat, em Ramallah, os massacres em Jenin e no campo de refugiados de Rafah, em Gaza.
Ao todo, Israel matou 4.789 palestinos, entre eles 982 menores. Palestinos mataram 1.053 israelenses entre militares e civis, incluíndo as 219 vítimas de 12 atentados terroristas entre junho de 2001 e agosto de 2004.
Apesar dos atentados, a superioridade moral alegada por Israel se evaporou. Nunca antes se viram tantas e tão numerosas manifestações de protesto contra as ações israelenses em países não islâmicos.
As reações mundiais às atrocidades em Gaza apenas ecoam a condenação internacional a Israel naqueles anos. Não é de acreditar que o noticiário destas duas últimas semanas tenha convertido críticos em defensores de Israel. Se algo mudou – e a mudança deve ter sido estatisticamente negligível – foi o contrário.
O que, evidentemente, não desobriga a imprensa de contar a verdade que conseguir apurar sobre os ataques israelenses e os padecimentos dos palestinos, seja qual for o seu efeito sobre a formação das opiniões. O mais famoso correspondente estrangeiro no Oriente Médio, o inglês Robert Fisk, do Independent, disse dias atrás, em um debate, que “os jornalistas devem ficar do lado dos que sofrem”. A melhor maneira de fazer isso é relatar objetivamente o seu sofrimento – com a profusão possível de detalhes.
Por que se copiam certos textos
Resposta pública a um leitor amigo que estranha a transcrição, neste blog de observação da imprensa, de textos que nem sempre tratam de questões da mídia.
Os mais recentes exemplos são os artigos “Do Gueto de Varsóvia ao Gueto de Gaza”, da jornalista Maria Inês Nassif, e “O que você não sabe sobre Gaza”, do professor Rachid Khalidi, da Universidade Columbia, ambos publicados na quinta-feira, 8, o primeiro no Valor, o segundo no New York Times.
A intenção é compartilhar ideias, informações e narrativas – que por alguma razão sensibilizaram fortemente o blogueiro – sobre acontecimentos que concentram as atenções, como a ofensiva israelense em território palestino.
Muitas vezes, a iniciativa de transcrevê-los vem ainda do fato de terem sido originalmente divulgados em órgãos de comunicação que decerto apenas uma minoria dos presumíveis leitores do Verbo Solto costuma procurar. Ou porque, para ficar nos exemplos referidos, se trata de um jornal especializado, de circulação relativamente limitada, ou porque se trata de um jornal em idioma estrangeiro.
Poderia argumentar, sem faltar com a verdade, que as transcrições são uma forma de destacar pontos altos no tratamento da mídia a assuntos atuais de grande impacto, por seu potencial de enriquecer a percepção do leitor a respeito deles – uma forma, em suma, de observar a imprensa.
Mas seria uma racionalização: o que se quer, essencialmente, é que o maior número possível de pessoas tenha acesso a manifestações sobre temas quentes na ordem do dia, as quais, por sua qualidade e pertinência, o blogueiro não hesitaria em subscrever.
Não precisa ser um artigo ou uma reportagem inteira. Às vezes, meia dúzia de palavras praticamente pedem para ser repetidas, tamanha a sua capacidade de iluminar implacavelmente as questões de que tratam.
E, nesse departamento, a palma vai para a colunista Eliane Cantanhêde, da Folha de S.Paulo. “Israel”, escreveu ela no domingo, 11, “permite a suspeita de que não apenas combate um inimigo, mas perdeu o controle do próprio ódio”.