Nos últimos tempos, vira e mexe, a imprensa baiana sai da rotina e é contemplada com uma grande pauta. No ano passado foi o grampo telefônico ilegal de celebridades políticas, que por sinal está com a investigação sem conclusão. E sem qualquer cobrança da mídia baiana, que durante meses deu grande destaque ao assunto, em particular o jornal A Tarde, que recebeu inclusive prêmios pela série de reportagens.
Agora, uma megaoperação policial de combate ao narcotráfico desperta a mídia baiana. Em conjunto com o Ministério Público Estadual, as polícias Militar e Civil estão tentando desarticular uma quadrilha, que seria chefiada por um tal Ravengar, considerado pelas autoridades de Segurança Pública da Bahia o maior traficante de cocaína do estado.
A mídia local, desacostumada às grandes coberturas policiais, pois a segurança pública da Bahia sempre se ocupou apenas em registrar ocorrências, embora o tráfico de drogas role solto na capital e nas grandes cidades, viu-se de repente atropelada pela operação policial desencadeada com muito alarde.
Como o suposto traficante Ravengar tem ligações com o mundo cultural, com uma produtora de eventos e uma casa de espetáculos, por conseqüência tem ligações, também, com a imprensa, a política e a polícia. A megaoperação policial se tornou o assunto carimbado deste tórrido verão soteropolitano. Todo mundo se atreve a dar sua contribuição, as conjecturas estão presentes nas festas de largo, nas casas de eventos, nos bares, restaurantes e nas barracas de praia da orla de Salvador.
Pelas características profissionais do suposto traficante, toda a mídia baiana trata do assunto com muito cuidado, principalmente por vê-lo como um arquivo ambulante para o surgimento de muitos escândalos, que podem inclusive envolver celebridades baianas em todas as áreas de atuação profissional, principalmente porque a polícia apreendeu, na luxuosa residência de Ravengar, no Morro do Águia, uma agenda de endereços e telefones que incita a imaginação popular.
Debate proveitoso
Bem ao estilo das coberturas policiais de antigamente, principalmente as dos jornais cariocas O Dia e a Luta Democrática, que sempre ouviam o outro lado da notícia, no caso, os marginais procurados pela polícia – se a memória não falha, foi assim com Lúcio Flávio, Cara de Cavalo, Mineirinho e outros menos votados –, a Tribuna da Bahia foi atrás do personagem Ravengar, que há várias semanas foge do cerco policial, para saber sua versão. Afinal, até pouco tempo atrás ele desfilava, sem ser incomodado, em sua casa de espetáculos Megashow.
Missão cumprida pelo repórter Samuel Lemos, que abriu a matéria afirmando: ‘O que a polícia baiana vem tentando há 20 dias, movimentando centenas de homens e dezenas de viaturas, a Tribuna da Bahia conseguiu ontem com exclusividade’. O jornal ocupou toda a primeira página com a chamada para a reportagem com o foragido Raimundo Alves de Souza, o Raimundão ou Ravengar. Um furo de reportagem, que a direção do veículo, por sinal uma cooperativa, deve ter avaliado como importante para o soerguimento do jornal. Vale informar que, na entrevista, o suposto traficante ameaça envolver celebridades (está na moda, não?). Afirma, ainda, que já confiou a amigos gravações com as denúncias, que serão divulgadas caso algo lhe aconteça.
A publicação da entrevista e, também, os métodos utilizados pela polícia causaram um reboliço entre os jornalistas baianos. Uns a favor da ousadia da Tribuna, outros contra a prepotência da polícia – caso do editor de Política da própria Tribuna da Bahia, Jânio Lopo, que cobra maior civilidade das diligências em artigo publicado dia 7/2 –, alguns indiferentes. A atitude do jornal abriu ampla discussão entre os coleguinhas da Boa Terra. Uma discussão que deve ser estendida ao país, pois a imprensa brasileira hoje se ressente de bons repórteres policiais. Repórteres que fizeram história no jornalismo do Rio e São Paulo. Quem sabe, a partir deste episódio, ocorrido aqui na província, se inicie um proveitoso debate sobre o tema.
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(*) Jornalista em Salvador (BA)