A falta de jornais vespertinos no Brasil pôde ser sentida dramaticamente no dia 15 de fevereiro deste ano de 2005, quando Severino Cavalcanti (PP-PE) aplicou uma histórica surra na articulação política do governo federal, que lutava para eleger o paulista Luiz Eduardo Greenhalgh presidente da Câmara dos Deputados. Na manhã de terça-feira, jornal algum foi capaz de trazer qualquer notícia relevante sobre a eleição que consagrou o parlamentar pernambucano, novo chefe da Câmara Baixa e doravante terceiro homem na linha sucessória.
É compreensível que operacionalmente fosse impossível a qualquer matutino fechar um terceiro clichê às 6h30 da manhã, quando terminou um processo eleitoral iniciado às 16h do dia anterior. Um vespertino teria obtido boa saída na terça-feira em que os brasileiros acordaram perplexos com a vitória de Severino Cavalcanti. Perplexos, certamente, porque, ao longo das últimas semanas em que a campanha esquentou, nenhum grande jornal brasileiro deu bola para a candidatura do parlamentar pernambucano, preferindo tratá-lo jocosamente como o ‘rei do baixo clero’, sem no entanto advertir sobre o seu potencial eleitoral.
Praticamente todos os holofotes estavam ligados na batalha interna do PT, entre o dissidente Virgílio Guimarães (PT) e o candidato oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh. Um pouco mais de atenção, ou talvez de experiência, poderia ter levado às redações uma questão aparentemente banal, mas crucial: quem poderia se beneficiar da divisão do partido majoritário? Mas a questão ficou fora da pauta e os jornalistas pareciam jogar todas as fichas em uma das duas candidaturas petistas.
Aqui e ali, o espaço foi aberto ao candidato da oposição, José Carlos Aleluia (PFL-BA), mais pela estridência de suas críticas ao governo do que propriamente pela sua diminuta condição de vencer a disputa — agora atestada nos 53 votos que obteve no pleito. Sobre Severino Cavalcanti, porém, não saiu palavra. Ninguém se interessou em entrevistá-lo, as rádios que promoveram debates entre os candidatos não o chamaram para participar, seu perfil nos infográficos era sempre menor do que os destinados a Virgílio, Luiz Eduardo e Aleluia. Mas ele venceu. E já virou celebridade.
Um parênteses se faz necessário: o colunista Elio Gaspari pode ser considerado uma honrosa exceção, pois escreveu sobre Cavalcanti pouco tempo atrás, lembrando a participação do novo presidente da Câmara na expulsão, em 1980, do missionário italiano Vito Miracapillo do país. Gaspari também advertiu sobre os riscos de uma eventual vitória do candidato do PP para o bom funcionamento da Câmara Federal e da democracia brasileira.
Repórter que reporta
Se os jornalões deram vexame ao não levar em consideração o potencial da candidatura do deputado pernambucano, os serviços noticiosos que os grandes grupos de mídia mantêm na internet tiveram uma performance ainda pior. Na madrugada de terça-feira, este Observador acompanhou o noticiário pela web e pela TV Câmara, simultaneamente. Nada do que se passava em Brasília realmente chegava aos grandes portais. As notícias eram escassas e burocráticas, não havia relato das negociações nos bastidores ou do clima que acompanhava a votação. O serviço parecia ter sido relegado a (poucos) estagiários, plantados na Câmara com seus celulares, mas sem a mais remota idéia do que fazer por ali; e, nas redações, aos plantonistas de sempre da madrugada, mais acostumados a fazer o famoso copy and paste no noticiário das agências internacionais.
Fora do ambiente dos grandes portais, duas boas coberturas: a da Agência Câmara, ágil e, surpreendentemente, nada ‘chapa-branca’ (tão logo terminou o primeiro turno, por exemplo, informou sobre a preocupação dos líderes petistas com a possibilidade de ‘virada’ a favor de Cavalcanti); e a do blog do jornalista Ricardo Noblat, que captou com clareza a formação do tsunami em que se transformou o movimento pró-Severino no meio da madrugada.
Quem acompanhou a eleição apenas no blog de Noblat pôde se informar satisfatoriamente e saber de muito mais detalhes sobre a eleição do que quem recorreu à Folha Online, Estado ou Globo Online, para ficar nos mais famosos, que certamente contavam com equipes de jornalistas na Câmara.
Não deixa de ser irônico: no mesmo dia, o maior partido do país tomou um surra de um católico conservador, pernambucano de 74 anos, com 40 dedicados à política; e os sites dos grandes jornais levaram, na cobertura do evento, um verdadeiro baile de um experiente repórter pernambucano (54 anos, 38 de profissão), que, munido de um microcomputador portátil, ia escrevendo o que via e ouvia, informando com certo humor, sobre o que se passava no Congresso Nacional.
Os tempos são mesmo outros e há muita coisa de ponta-cabeça por aí. Severino e Noblat que o digam.