Até agora é quase impossível saber o que aconteceu realmente e muito menos emitir julgamentos. Há várias versões, inúmeras suposições e um conjunto de interesses em jogo, que levam o leitor de um jornal ou telespectador a ficar no mínimo confuso diante do noticiário.
A imprensa também não colabora com o leitor e acaba engrossando o caldo por conta da irresponsabilidade informativa de repórteres e editores. Não se trata de culpar ninguém porque conhecemos o ritmo frenético imposto aos jornalistas pela concorrência entre as emissoras e jornais. Mas que houve uma despreocupação generalizada com as conseqüências de uma informação mal investigada, isto é claríssimo.
Estamos começando a ver as primeiras conseqüências da era da avalancha informativa. O surgimento da Web como canal de comunicação permitiu que um mesmo fato passasse a ter cada vez mais versões, por conta das diferentes percepções e interesses de protagonistas diretos e indiretos, que hoje podem ter facilmente acesso à opinião pública.
O consumidor de informações passou a ser bombardeado por versões contraditórias geradas a partir de percepções distintas e já não consegue mais sentir-se seguro na hora de formar uma opinião. Esta insegurança aumentou depois que o leitor, ouvinte, telespectador ou internauta percebeu que não poderia mais confiar na imprensa porque descobriu que ela tem seus próprios interesses.
São cada vez mais freqüentes as notícias em que as primeiras versões acabam sendo desfeitas por novas percepções, gerando um fluxo informativo cuja principal característica é a falta de conclusões definitivas. Para uma sociedade que foi educada para fazer julgamentos absolutos, do tipo certo ou errado, culpado ou inocente, verdadeiro ou falso, ter que conviver com a possibilidades intermediárias é no mínimo desconfortável.
Mas é justamente isto que episódios como o da advogada pernambucana (1) Paula Oliveira indicam. A imprensa brasileira se apressou em fazer julgamentos definitivos, decretando um ataque racista e xenófobo contra uma compatriota residente na Suíça, baseado na percepção de parentes da suposta vítima que por sua vez se apoiaram em informações dadas por Paula por telefone.
A reação da polícia suíça e novos fatos divulgados posteriormente colocaram em dúvida a versão inicial da advogada, deixando os consumidores de informações diante das seguintes alternativas:
a) Estudar o caso, analisando seu contexto na Europa, as várias versões publicadas na imprensa e o comportamento dos principais protagonistas;
b) Escolher uma percepção e minimizar as demais para poder opinar;
c) Ignorar o fato por falta de opinião formada, já que as versões se mostram contraditórias, incompletas ou vinculadas às partes interessadas.
A primeira alternativa implica uma mudança considerável de hábitos e comportamentos porque nos obrigará a gastar mais tempo com as notícias. A segunda pode nos levar a situações embaraçosas e que podem nos custar caro. E a terceira nos empurra para alienação.
Se formos olhar o noticiário da imprensa com uma lupa, veremos que o caso Paula se repete diariamente na mídia com outros nomes e outras situações. Estamos começando a viver aquilo eu alguns classificam de caos informativo, mas que na verdade é apenas o sintoma da necessidade de desenvolvermos novas atitudes diante da notícia e da informação.
Esta nova atitude implica admitir que as coisas não são nem 100% certas e nem 100% erradas. Não há verdade absoluta, assim como não há objetividade e imparcialidade absolutas. Confiar cegamente na imprensa significa atribuir a ela o dom da infalibilidade — o que, convenhamos, é um absurdo.
O presidente Lula e o chanceler Celso Amorim engoliram a versão da imprensa, que por sua vez engoliu a versão da família de Paula e o resultado foi um quase vexame diplomático e uma “barriga” da imprensa, especialmente da TV Globo.
Os consumidores de informação — ou seja, todos nós — estão enfrentando a necessidade de estudar as notícias (avaliar, checar, discutir etc.) em vez de pura e simplesmente consumi-las despreocupadamente. Isto vai nos dar mais trabalho e mudará nosso comportamento, porque se nada mais é 100% certo ou errado, isto significa que nossa opinião pode também não estar 100% certa ou errada.
Assim, teremos que admitir que as outras pessoas podem ter uma parte de razão, o que nos leva a, pelo menos, ouvi-las, porque precisamos ter a maior segurança possível nas informações que temos para tomar a decisão mais adequada às nossas necessidades e desejos. Por aí já se vê quantas mudanças começam a se esboçar a partir do caos informativo, que veio para ficar.
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(1) No texto original estava escrito ‘advogada paulista’. Correção atendendo à uma observação da leitora Adriana Barros. Uma segunda correção, os leitores estão certos, é pernambucana e não pernanbucana, como digitei originalmente. Já está corrigido.