A Comissão Federal de Comunicação (FCC) , o órgão do governo norte-americano encarregado da regulamentação das mídias, divulgou esta semana um surpreendente relatóriono qual faz um alerta sobre o futuro da imprensa local e adverte que a informação comunitária está na base da democracia cidadã.
O relatório de 150 páginas afirma que a importância das notícias locais está crescendo, mas as empresas jornalísticas mostram grande dificuldade de atender a esta necessidade, o que provoca um déficit informativo que terá conseqüências, ainda imprevisíveis, no funcionamento da democracia em comunidades sociais, bairros e cidades pequenas ou médias.
Uma das constatações mais importantes é a de que a internet multiplicou exponencialmente a formação de canais de informação a nível , mas isto coincidiu com uma drástica redução da investigação jornalística provocada entre outros fatores pelo desaparecimento de 13.400 empregos de repórteres e editores nos Estados Unidos, desde 2007.
O fenômeno não é novo e já foi discutido em vários fóruns tanto presenciais como online.O que surpreende é que o FCC tenha saído a campo para tratar de um tema que parecia preocupar mais os acadêmicos, enquanto os empresários e jornalistas o tratavam como se fosse um tema menor.
A nova relevância ganha pela comunicação local é uma conseqüência do crescimento dos indícios de que ela está diretamente ligada ao papel que as comunidades de base começam a ter como fator de reorganização das estruturas sociais na era digital.
As mídias locais sempre foram vistas como uma ferramenta político/comercial manipulada por interesses paroquiais onde a ética, geralmente, era vista como um obstáculo e não como uma norma. É claro que existiram e existem exceções, mas o quadro geral nunca foi dos mais animadores. Com a chegada da internet a crise do noticiário local se tornou ainda mais aguda, porque grande imprensa regional iniciou o enxugamento das redações justamente pela cobertura comunitária.
A sobrevivência da indústria jornalística local passou a ser um dilema crucial dada a inexistência de modelos de negócio adequados ao contexto comunitário. Os grandes jornais começaram a testar formulas de acesso pago a conteúdos online, mas elas dificilmente poderão ser aplicadas localmente. Isto gerou uma brutal recessão nos negócios da mídia local norte-americana, que apesar de ser muito diferente da brasileira, sinaliza uma tendência que, no mínimo, deve nos preocupar.
A renovada importância da comunicação local vem do fato de que a globalização econômica e a avalancha informativa gerada pela internet provocaram uma grande desorientação nas pessoas em quase todo o mundo industrializado. A desorientação, analisada de forma impecável pelo sociólogo catalão Manuel Castells no seu livro O Poder da Identidade [1], levou as pessoas a buscar a segurança em ambientes como os quais elas pudessem se identificar e sentir-se amparadas.
Normalmente estes ambientes estão associados com o local onde as pessoas vivem, com ambientes que elas valorizam e com desejos futuros. Daí surgiram os movimentos de busca da identidade como resposta à penetração de culturas forâneas (caso do movimento Zapatista, no México) , defesa de culturas locais (como o fundamentalismo islâmico) ou como expressão de um sonho ou desejo ( caso dos movimentos de gays, lésbicas e feministas).
O fenômeno da busca da identidade já mundialmente reconhecido e estudado. O que começa a ser analisado é o processo de radicalização de posições políticas, sociais e econômicas no interior de grupos sociais em busca de uma identidade. O norte-americano Cass Sunstein, em seu livro Infotopia, mostrou que quanto mais homogênea e uniforme for uma comunidade, maior a sua tendência para posições extremadas.
O antídoto contra o sectarismo e a xenofobia estaria assim na criação de canais de comunicação capazes de tornar as comunidades mais porosas à informação externa diversificada, permitindo uma melhor contextualização da mesma e a conseqüente redução de antagonismos.
A informação e as notícias locais se tornam assim fatores de importância estratégica no processo de busca de identidades diferenciadas e mutuamente respeitadas, num contexto marcado pela transformação do planeta numa mega aldeia informativa. Neste processo, a interação entre jornalistas e comunidades sociais é indispensável tanto para a busca de um novo modelo de sustentabilidade para a imprensa local, como para a reconstrução da democracia a nível local.
[1]A versão brasileira da editoria Zahar é de 1999. Foi lançada em 2010 uma versão em inglês (The Power of Identity, editora Wiley-Blackwell), ampliada e atualizada pelo próprio Castells.