Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Redes autônomas, a nova batalha dentro da internet

A agenda de interesses na internet muda com uma rapidez quase frenética, o que provoca duas interpretações opostas, mas que refletem uma mesma realidade. Estou me referindo ao fenômeno do uso das chamadas mídias sociais para fins políticos. Enquanto uns creditam as mudanças a uma instabilidade e incerteza que seriam inerentes à rede, outros explicam a alteração constante do foco de atenções à uma inevitável conseqüência da avalancha informativa.

 

Depois das manchetes se ocuparem obsessivamente com o crescimento exponencial de redes sociais como o Facebook e Twitter, agora a bola da vez é o uso destas mesmas redes como ferramenta política para protestos como os de Londres e rebeliões como a da Líbia. Mas estes são apenas os fatos visíveis de um processo ainda pouco conhecido mas que não tardará muito a ocupar também as manchetes e os discursos de políticos.

 

Trata-se dos esforços promovidos por um número crescente de pesquisadores e ativistas interessados em criar uma Web que seja totalmente independente e descentralizada, impossível de ser desconectada a não ser por seus próprios usuários. Enfim uma Web que não possa ser censurada como tentou Scotland Yard londrina, desligada como fez ex-homem forte do Egito Osny Mubarak ou censurada como na China.

 

O projeto que está sendo desenvolvido por organizações com a norte-americana Open Technology Initiative (OTI) e a austríaca FunkFeuer. O projeto Commotion, produzido em Washington por um grupo de programadores e hackers (1)  conta com financiamento da OTI, braço high-tech na New America Foundation, presidida por Eric Schmidt, da Google, e recebeu uma subvenção do Departamento de Estado (citado em reportagem do jornal Le Monde). Seu objetivo desenvolver uma web capaz de ressuscitar os ideais dos pioneiros da internet. Os criadores da rede mundial de computadores queriam que ela fosse integralmente livre e que não pudesse sofrer interferências de governos e empresas. 

 

O crescimento vertiginoso da internet acabou transformando-a no epicentro de uma discussão política e de um a luta por poder que está apenas começando. Embora a rede tenha surgido, na era da Guerra Fria, justamente porque o Pentágono queria um sistema de comunicação que pudesse sobreviver a uma hecatombe nuclear, ela acabou se transformando num mega negócio com começa a despertar todo o tipo de interesses.

 

Os Estados Unidos estão perdendo o controle da internet e agora estimulam o surgimento de versões autônomas da rede. Esta iniciativa é classificada por muitos como uma tentativa de criar um mecanismo de desestabilização política em regimes que não rezam pela cartilha da Casa Branca. Mas curiosamente, os hackers da Open Technology Initiative já disseram que seu projeto Commotion estará a disposição de todos os grupos defensores dos direitos humanos, em sua maioria desafetos de Washington, quando for lançado publicamente até o final de novembro.

 

O que a polêmica sobre a criação de uma web alternativa trouxe para a agenda pública é a questão da crescente busca por soluções independentes, ou seja, fora do controle de estruturas governamentais. Quando os Estados Unidos financiam um projeto como o Commotion, o objetivo é desenvolver uma ferramenta que possa ignorar o controle que governos, como os do Oriente Médio, podem ter sobre a internet em seus respectivos países, o que dificulta a ação de movimentos oposicionistas e dissidentes. Mas também está claro, que esta mesma tecnologia pode ser usada contra governos aliados dos Estados Unidos, como foi o caso dos protestos na Inglaterra.

 

É apenas uma questão de tempo, o surgimento de técnicas que tornem viável a multiplicação de redes independentes integradas por computadores, celulares, tablets, netbooks e smartphones. Na Áustria e em algumas cidades pequenas nos Estados Unidos elas já existem. Também já existe uma rede alternativa mundial do projeto Fon por meio do qual usuários de banda larga disponibilizam parte desta banda pelo sistema wi-fi para outras pessoas. O projeto depende da compra de um equipamento chamado Fonera e não é totalmente autônomo porque depende das empresas que fornecem acesso, mas elas já não tem mais o controle da clientela.

 

Isto já está colocando na agenda da internet a questão das autonomias. A China já está bem adiantada no desenvolvimento de sua própria internet tentando evitar uma futura intervenção norte-americana na web atual. Outros países, entre eles a França, também já estão no mesmo caminho. Mas este objetivo pode cair por terra, caso o projeto Commotion tenha sucesso.

 

Alguns chegam a falar em balcanização da internet, uma expressão política associada à idéia de guerra fratricida. Mas na verdade é muito pouco provável que a polêmica sobre autonomias na Web tenha esta conotação. A questão é mais de princípios do que de estratégias de luta pelo poder. Mais de busca de identidades por parte de movimentos dissidentes do que uma questão de controle.

1 Uso a expressão hackers no seu sentido original, desenvolvedores independentes de softwares. A palavra é usada para definir os invasores de sites é crackers.