Entrevistado pelo Globo, o secretário-executivo da Fazenda, Bernard Appy – cujo pai, Robert, por sinal, é veterano editorialista econômico do Estado de S.Paulo – deu dois motivos para a estridente repercussão da Medida Provisória 232, que entre outras coisas aumenta pesadamente os impostos dos prestadores de serviço tributados no sistema de lucro presumido.
Para efeitos deste comentário, interessa apenas o primeiro motivo – ‘o fato de que a medida atingiu uma parcela expressiva de formadores de opinião, que eram beneficiados por uma distorção na estrutura tributária’.
Se eram beneficiados ou não, é outra história. Mas o resto do argumento é verdadeiro. A 232, se passar, vai tirar mais dinheiro de jornalistas que, por vantagem pessoal, exigência dos compradores de seu trabalho ou por uma mistura das duas coisas, se tornaram pessoas jurídicas e assim são remunerados. Este leitor é um deles.
Já se disse que se as pessoas gostassem de pagar imposto, imposto teria outro nome. Isto posto, o fato de parcela expressiva dos críticos da MP ser constituída por ‘parcela expressiva de formadores de opinião’ não enfraquece, muito menos invalida as suas críticas.
Não por serem os críticos quem são, mas por serem o que são os seus argumentos – de que não se vai tratar aqui, porque a questão no caso é outra.
Salvo melhor juízo, os comentários assinados por jornalistas sobre a 232 não deixaram suficientemente claro para o distinto público que os jornalistas são parte interessada na matéria.
Cobra-se do noticiário em geral e do noticiário econômico em especial a falta de informação sobre os eventuais interesses dos que aparecem nas matérias defendendo ou atacando isso ou aquilo – sempre em nome do bem comum.
Salvo em situações de associação flagrante entre os aspeados e o conteúdo pretensamente objetivo ou neutro das aspas, o leitor não fica sabendo que Fulano disse ou fez o que está na notícia em seu próprio benefício e não, como há de ter dado a impressão, por interesse público.
Decerto interesse público e interesse privado podem coincidir. Mas, por via das dúvidas, quando aparece um especialista defendendo o apoio (leia-se subsídios e incentivos) ao setor sucroalcooleiro – para citar o primeiro exemplo que vem à cabeça – porque o álcool polui menos do que a gasolina, o que é verdade, não seria pedir demais ao repórter que pergunte ao entrevistado se tem algum vínculo com o setor.
Título briga com matéria
O leitor tem o direito de saber se as opiniões que lhe são oferecidas têm parentesco com as atividades de seu autor. A ligação entre uma coisa e outra pode ser perfeitamente legítima. A influência de uma coisa sobre outra pode ser até benéfica – mas por que não dar ao leitor os meios que lhe permitam tirar, ele mesmo, as suas conclusões?
Se é justo cobrar transparência sobre possíveis interesses de terceiros em relação aos assuntos das matérias das quais são personagens, essa cobrança é ainda mais necessária quando os terceiros são os primeiros – os próprios jornalistas.
E nesse ponto cabe perguntar se a imprensa deu ao grande público a oportunidade de perceber, ao ler matérias ou comentários sobre os protestos contra a 232, que ela onera jornalistas também.
Será uma lástima, por exemplo, se o leitor do Globo só tiver se dado conta disso na entrevista em que o secretário-executivo do Ministério da Fazenda acusa os formadores de opinião de se beneficiar de uma mais do que discutível ‘distorção na estrutura tributária’.
P.S. Por falar em tributos, o Estado deu a seguinte manchete interna na edição de 10/2: ‘Despesa subiu. Vem aí mais imposto’. Lendo-se a matéria, fica claro que só a primeira metade do título tem base. A julgar pelo texto, não vem aí mais imposto – nem menos, aliás. Explica, na reportagem, o consultor e ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola: ‘O aumento de gastos obrigatórios (…) tende a segurar a carga tributária no nível em que ela se encontra’. E nada nem ninguém o contradiz.
[Texto fechado às 16h07 de 14/2]