Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Justiça revolve lixo informativo de Murdoch e reacende polêmica sobre regulação

Não é por acaso que o Inquérito Leveson, atualmente em curso na Inglaterra, tem passado em brancas nuvens na imprensa brasileira, que só tratou do caso nas colunas de celebridades. É que a comissão de investigação chefiada pelo juiz britânico Brian Leveson está revolvendo a cloaca informativa na qual se transformou o jornal News of the World, fechado pelo megamilionário Rupert Murdoch na tentativa de sepultar uma das mais podres redações de que se tem notícia na história do jornalismo mundial.

 

A leitura dos depoimentos em juizo e da série de reportagens feitas pelo jornal britânico The Guardian (transformadas também em livro) não deixa qualquer dúvida sobre a necessidade de um controle social sobre as atividades da imprensa. Escutas clandestinas, violação da privacidade e chantagem sistemática foram apenas alguns dos delitos praticados pelo jornal de Murdoch e que ficaram impunes mesmo depois de o editor de assuntos reais do News of the World, Clive Goodman, ter sido preso pela policia, em 2005, sob a acusação de espionagem telefônica na família real inglesa.

 

Desde essa data a direção do NoW negou sistematicamente qualquer delito, qualificando as acusações de falsidades ideológicas visando atingir a liberdade de imprensa. A última vez que essa alegação foi usada foi em julho de 2009. Em meados de 2011, a farsa chegou ao fim quando o volume de denúncias contra o jornal tornou-se incontrolável. O império midiático da família Murdoch começou a ruir, mas a maior parte do lixo jornalístico continuou oculto.

 

A perversão dos valores jornalisticos no NoW se tornou tão ampla e impune, que um ex-redator do jornal, Paul McMullan, em depoimento ao juiz Leveson teve a desplante de defender a espionagem telefônica afirmando cinicamente que a “privacidade é o espaço usado por pessoas ruins para fazer coisas ruins”. Um profissional com essa filosofia de trabalho foi prestigiado durante anos pela direção do jornal, que nunca questionou essa estranha definição de privacidade.

 

As distorções na prática do jornalismo no jornal de Ruperto Murdoch só chegaram à luz publica graças a insistência do The Guardian, que no episódio desempenhou um papel equivalente ao do The Washington Post no famoso caso Watergate, nos Estados Unidos, em 1972. A investigação do jornal norte-americano levou à renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974. Os fatos levantados pelo Guardian desde 2005 podem marcar um divisor de águas na imprensa.

 

Os fatos listados no livro Phone Hacking: How the Guardian Broke the Story, e confirmados agora pelo depoimento de dezenas de celebridades britânicas, mostram como uma redação pode fazer tudo aquilo que os manuais e a ética jornalística condenam, sem ser molestada pelos seus superiores. O argumento de que o caso do NoW é uma exceção, uma maçã podre no meio do cesto, é ridiculamente frágil diante das dimensões alcançadas pelo caso e pela enorme desconfiança que ele gerou na credibilidade da imprensa.

 

O fato concreto é que hoje, na Inglaterra, são poucos os que ousam afirmar que a imprensa não precisa ser regulada ou submetida a algum tipo de controle social. O manto de silêncio com que a mídia brasileira cobriu o caso mostra que o debate sobre os erros e delitos cometidos pela imprensa ainda são um tema proibido. São executivos decidindo o que o público deve ou não saber, praticando o mesmo erro que alegam ser uma característica dos governos.

 

A cobertura seletiva dos crimes da imprensa esconde comportamentos difíceis de justificar e tenta disfarçar o fato de que as indústrias da comunicação têm interesses próprios, motivados pela sua própria condição de negócio movido a lucros, e que nem sempre são os mesmos do público leitor. Como o fornecimento de notícias visa o atendimento de necessidades públicas e não de um negócio privado, a proteção do interesse público é vital para a sobrevivência da confiança do leitor .

 

Pode-se discutir quais as formas que essa garantia de proteção de interesses pode assumir, mas negar o princípio do controle e da regulação equivale à conivência com tudo o que o News of the World representou na imprensa mundial.