As duas maiores agências de notícias do mundo, a Associated Press (AP) e a Reuters, acabam se ser flagradas em mais um incidente grave envolvendo comportamento antiético na busca do furo jornalístico a qualquer preço.
A policia sul-africana descobriu que as duas agências colocaram câmeras secretas em residências vizinhas à casa onde mora o ex-presidente Nelson Mandela, na corrida para ser a primeira a anunciar a morte do líder da luta contra a segregação racial no país.
A Reuters e AP foram acusadas de conduta ilegal pelas autoridades sul-africanas ao mesmo tempo em que no parlamento do país se multiplicaram as denúncias vinculado o caso ao da espionagem telefônica contra personalidades britânicas por repórteres e editores do jornal News of the World, fechado pelo milionário Rupert Murdoch para acalmar a opinião pública inglesa.
As duas agências negaram que estivessem praticando espionagem jornalística na residência de Mandela, mas admitiram que, há mais de um ano, vêm monitorando a casa localizada na Cidade do Cabo por meio de câmeras. Um porta-voz da AP disse que as câmeras somente seriam ligadas para confirmar rumores, e que práticas como esta já foram adotadas noutros casos — como no a morte do papa João Paulo II, em abril de 2005.
A denúncia da polícia provocou um grande impacto político na África do Sul, porque Mandela é uma espécie de ícone nacional e também porque a guerra pela exclusividade no furo deixou clara a importância comercial que as agências estão dando à saúde do ex-presidente .
Mandela não é visto em público desde julho do ano passado e sua saúde teria se fragilizado muito nos últimos meses, mas a imprensa sul-africana adotou um pacto informal de silêncio sobre a saúde do homem que também é conhecido como Madiba ( pai, na língua xhosa falada pelo clã Mandela).
O caso dividiu a imprensa sul-africana porque a atitude da Reuters e AP foi considerada antiética por jornais locais que acusaram as agências de violar a lei do país, já que todos os ex-presidentes têm sua privacidade protegida por dispositivos legais. O certo é que a ousadia das duas agências azedou o relacionamento entre a mídia local e a estrangeira.
Preparar antecipadamente necrológios sobre personalidades relevantes, em idade avançada ou com saúde frágil, é uma prática rotineira na imprensa mundial. Mas, quase sempre, os editores responsáveis procuram ser muito discretos para evitar situações embaraçosas e insinuações de conduta pouco ética. É uma regra de ouro não ser flagrado antecipando a morte de alguém, mas a guerra por audiência e por leitores acabou debilitando o autocontrole nas redações.
O problema é ainda mais delicado na África do Sul, onde existe uma longa tradição de evitar falar sobre a morte de qualquer pessoa antes de o fato ocorrer. É uma questão cultural. O governo local já havia sido pressionado por correspondentes estrangeiros para antecipar possíveis planos para os funerais de Mandela, mas as autoridades sempre reagiram de forma irritada e até hostil, segundo o jornal britânico The Guardian.
O novo caso de comportamento antiético na grande imprensa mundial reforça a preocupação com uma revisão das rotinas jornalísticas, agora que as redações não têm mais o controle absoluto da agenda pública e estão submetidas a forte pressão por parte dos que se informam por meio de fontes alternativas na internet.
Não há a menor dúvida de que o desaparecimento de Mandela provocará uma enorme comoção em toda a África. Raríssimas pessoas ficarão imunes ao impacto da noticia, o que mostra até que ponto a Reuters e Associated Press passaram a privilegiar vantagens comerciais em detrimento da sensibilidade pelo clima de orfandade que certamente tomará conta de milhões de sul-africanos.