Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Deep Throat e as virtudes do ‘off’ (com moderação)

Informa a coluna ‘Toda mídia’, de Nelson de Sá, na Folha de 10/2, que o conselheiro do então presidente Richard Nixon, John Dean, escreveu no Los Angeles Times que o repórter Bob Woodward (o da dupla com Carl Bernstein, do Washington Post, no caso Watergate) avisou o jornal de que Deep Throat – a fonte de todas as fontes ‘em off’, como se diz por aqui – está para morrer.

Escreveu também que o ex-editor do WP, Ben Bradlee (Jason Robards, no filme sobre os homens do presidente) já teria redigido o necrológio do – ou será da, alguém já pensou nisso? – Garganta Profunda. O jornal negou, lembrando que continuam a sete chaves, na Universidade do Texas, os documentos sobre o(a) legendário(a) informante anônimo(a) dos repórteres que ajudaram a pôr abaixo a Casa Branca de Nixon.

Muitos milhares de jornalistas e outros diretamente interessados, e milhões de curiosos decerto não vêem a hora de saber quem guiava os passos de Woodward & Bernstein rumo aos podres poderes da Washington republicana dos anos 70 – probos poderes perto da Washington republicana dos anos 00. Ou sejam, torcem para que o(a) Garganta desça logo a outras profundezas. Gente é assim mesmo.

Mas nestes tempos em que a saudável demanda pela transparência na esfera pública e nas relações entre o público e o privado pressiona a mídia para dar nomes aos bois que lhe proporcionam acesso às verdades que outros tratam de manter ocultas, quem sabe seja o caso de aproveitar o gancho da também oculta identidade de Mr. (ou Ms.) Throat para fazer uma pergunta que se responde por si mesma: teriam Woodward & Bernstein chegado onde chegaram sem a massa de ‘offs’ que souberam garimpar (e que o jornal bancou) antes de receberem o primeiro dos ‘ons’ que redimiriam as suas matérias?

Sim, é verdade que o ‘off’ se banalizou a tal ponto que o pobre consumidor de informação geralmente acaba não tendo a menor idéia se está sendo levado toda hora na conversa por interesses anônimos, com a cumplicidade de jornalistas preguiçosos, quando não eles mesmos desonestos.

Tome-se o noticiário político nacional, para ficar na terrinha. O que há de ‘fontes do Planalto’, ‘interlocutores próximos do presidente Lula’ e variações é de fazer jornalista virar a página sem pensar duas vezes.

Primeiro, porque, se for do ramo, terá uma idéia aproximada ou certa de quem se trata.

Segundo, porque, nos casos em que a matéria offada deixa mal alguém, deduzirá logo que a fonte incógnita quis passar uma rasteira nesse alguém e o repórter, inocente ou não, entrou com a perna. Ou seja, a informação é uma carta marcada.

Terceiro e principalmente, porque esses ‘offs’ costumam ser de uma desimportância cavalar. Nessas situações, o benefício não cobre o custo – a menos que o benefício seja o de encher espaço.

Portas fechadas

Mas está para nascer – se é que nascerá – o jornalista que deixará de divulgar uma informação séria, urgente e relevante se, esgotadas todas as demais possibilidades de corroboração, não puder revelar a(s) sua(s) fonte(s) única(s) dessa história que parece plausível aos diversos escalões de uma redação.

O ‘off’ é como o álcool. Precisa ser consumido com moderação. Mas, nessas circunstâncias, e com perdão aos abstêmios, é antes indispensável do que nocivo.

Uma forma inteligente e respeitadora do leitor de usar o ‘off’ à falta do ‘on’ é a que passou a ser adotada de uns tempos para cá no New York Times. Em cada vez mais matérias, o texto procura, até o limite do possível, situar a fonte oculta. Ou dá a explicação da fonte para não aparecer. Sinal de que o repórter lhe perguntou por que não pode ser nominada.

Exemplo disso – e do fato existirem também os ‘offs’ institucionais – está na matéria do Times de 6/2 sobre o sabão que a secretária de Estado Condoleezza Rice teria passado no seu homólogo russo Sergei Lavrov, quando se encontraram em Ancara, sobre os seguidos surtos autoritários do presidente Putin.

É o caso de dizer ‘teria passado’ porque o encontro foi a portas fechadas e do que dele se soube foi apenas um americano quem contou – em ‘off’. Mas o repórter do Times fez o que podia. Atribuiu a informação a um funcionário ‘que falou num briefing sob as regras estabelecidas pelo Departamento de Estado que exigiram o anonimato em razão da natureza confidencial da reunião que estava sendo descrita’. Pelo menos o leitor teve um relance de como funciona o ciclo da informação.

[Texto fechado às 16h07 de 14/2]