Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Francis e a bomba esquecida

Treze anos depois de morrer fisicamente, Paulo Francis foi assassinado simbolicamente por Nirlando Beirão nas páginas da edição 32 da revista Brasileiros. Francis fez por merecer as críticas que o autor da reportagem lhe fez ou coletou junto a entrevistados, com franca maioria dos que fazem restrições ao personagem. Nada de novo. Paulo Francis nunca foi exatamente um repórter. Cometia erros incríveis, por não checar informações, apoiando-se no conhecimento próprio e na memória. Ou, frequentemente, na arte do chutômetro. Muito do que afirmava não tinha a verdade como fundamento e traduzia formas primitivas de preconceito.

Apesar de tudo isso, ele foi um dos principais personagens do jornalismo brasileiro ao longo de quase três décadas e um dos mais lidos de todos os tempos, embora escrevendo sobre assuntos áridos e complexos. Seu sucesso, numa seara na qual muitos fracassaram, se devia ao personagem que criou para si e interpretou com a competência que lhe faltou na curta carreira de ator. Tinha estilo e era, ao fim de somas e subtrações, um excepcional agente provocador – em todos os sentidos, bons e ruins. Levou a tal paroxismo sua invenção que ela acabou por se tornar maior do que ele, tornando-o vítima dos seus exageros.

Linhas perdidas

Ele tinha, dentre outros motivos subjetivos, uma razão para continuar assim: depois de fases duras, conquistou um dos maiores salários da imprensa brasileira, ocupando páginas inteiras na Folha de S. Paulo (por 14 anos) e O Estado de S. Paulo (durante sete anos), lidas com avidez por milhares de pessoas. Quando uma de suas incontinências verbais não fundamentadas lhe acarretou uma ação de indenização de 100 milhões de dólares, por parte dos diretores da Petrobras, chamados por ele de ladrões, Francis reagiu não como um jornalista, mas como um proprietário ameaçado. Seu patrimônio – informa Nirlando – incluía, além dos salários (US$ 20 mil no Estadão e provavelmente mais na Globo), dois apartamentos em Manhattan, a área mais valorizada de Nova York, US$ 3 milhões em conta bancária ‘e administrada, sabe-se hoje, por seu amigo Ronald Levinsohn, aquele da caderneta Delfin’.

Esta é a única informação rigorosamente nova, passados 13 anos e tantos elogios e maldições ao polêmico personagem. Ela abria para o repórter um enfoque original e definidor do final um tanto melancólico de Paulo Francis. Ronald Levinsohn, no auge de sua fama, era considerado gênio do mal, uma espécie de Dr. Silvana (dos quadrinhos do Capitão Marvel), que usara seu alto QI e seu tirocínio para enriquecer irregularmente, valendo-se de falhas do sistema habitacional criado pelos militares depois de 1964, tendo como eixo o BNH (Banco Nacional da Habitação).

Conta a lenda que Levinsohn, no estouro do escândalo da caderneta de poupança Delfin, foi levado quase manu militari ao banco para depor e explicar como conseguira enriquecer com o que foi classificado como golpe empresarial. ‘Nunca entrei armado aqui’, observou o sardônico Ronald. O assunto acabou esquecido. Nirlando Beirão podia tê-lo relembrado e esclarecido a relação com Francis, mas ficou em duas linhas perdidas em 12 páginas da revista dedicadas ao ‘homem-bomba’.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)